quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

LAÉRCIO, O PENSADOR

"Em vez de 'travar o bom combate' que vem apontando tão heroicamente – e tardiamente –, o governo decidiu transformar o Proinveste em um meme".

                   
Laércio Oliveira é um deputado federal. Em vez de pensar em emendas parlamentares, ele resolveu pensar sobre o Proinveste. Ao fazer isso, Laércio Oliveira decidiu iniciar sua carreira de polemista. Para ele, a postura da oposição estadual em relação ao Proinveste é política. Eis aí um veredicto iluminado. Um argumento monumental. A destruição de toda a estrutura lógica da pantomima oposicionista. O desmascaramento de uma farsa infame. Quando Laércio Oliveira pensa, a sociedade é salva. Agora, sabemos que políticos fazem política. Anotemos mais essa em nossos corações incultos.

O deputado pode ter se expressado mal. Entre imbecis batizados e apolíticos de Orkut, o termo “política” traz contornos pejorativos automaticamente. Mas para libertá-lo dessa terrível injustiça existe “politicagem”. Como quero ajudar o deputado a ser compreendido, suspeito que essa seja a raiz sêmica do magnífico sistema laerciano. Se a referência de Laércio Oliveira foi a “politicagem”, porém, ele não está fazendo mais do que reproduzir a primária estratégia governista de desqualificar toda a discussão.

Desqualificar toda a discussão é um dos recursos mais comuns do próprio exercício político. Logo, é fazer política. Só que é um recurso que admite pressupostos. Um pressuposto para a legítima desqualificação da discussão é o embate argumentativo. Mas não existe embate argumentativo nenhum. O que vem acontecendo é que a oposição, mesmo montada em seu esforço conspiratório pró-Amorim, é a única que pelo menos finge argumentar. Já o governo, cada vez mais enfraquecido pela ingerência política e pessimamente representado na Assembleia, não mostrou envergadura para suportar a metralhadora giratória do lado contrário em um único momento. E se contentou em berrar frases feitas, acusações a esmo e partículas de ufanismo barato.

A desqualificação de toda a discussão é o reconhecimento tácito do governo de que, de sua parte, não há o que dizer. E quando um lado está argumentando e outro não, o que não argumenta precisa desesperadamente embaçar o abismo entre as partes. E tirando Laércio Oliveira e seus seguidores, todos sabem qual é a profundidade do abismo entre as partes.

A oposição, aquela que faz política, quer dados. O governo, aquele que não quer fazer política, quer pressa. A oposição, aquela que faz política, quer projetos detalhados. O governo, aquele que não quer fazer política, quer mais pressa. A oposição, aquela que faz política, quer saber o que foi feito com o dinheiro anterior. O governo, aquele que não quer fazer política, finge que não irá explorar a saúde do governador para exigir ainda mais pressa.

Sem ter o que dizer, a patota governista decidiu ficar mais ciente das intenções conspiratórias da oposição do que de suas próprias intenções para comandar o estado. E em vez de enviar projetos para as comissões, desabafou pelo tuiter. Em vez de dizer o que fez com o dinheiro dos anos anteriores, resolveu cutucar e compartilhar. Em vez de “travar o bom combate” que vem apontando tão heroicamente – e tardiamente –, decidiu transformar o Proinveste em um meme: “eles querem nos destruir”.

Por ora, Sergipe perdeu os empréstimos. Não tão temporariamente, o governo perdeu politicamente. Mas em meio a um panorama de tantas perdas, há pelo menos um ganho. Laércio Oliveira como pensador. Graças a ele, descobrimos que políticos pensam politicamente. Que, para o governo, é mais saudável ficar longe de tamanha imundície. E comandar o estado sob o princípio de que é possível governar sem política, sem respostas e sem argumentos. Anotemos.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

OS ÁCAROS DO PROINVESTE

"O governo Marcelo Déda e seus bajuladores representam uma nação de ácaros. Quando o escarro vem em sua direção, eles reconhecem sua insignificância aracnídea e se põem em correria. Quando algo como o Proinveste é rejeitado, eles alertam o público para a destruição absoluta de qualquer parâmetro de futuro social ou econômico. Rebaixam seus algozes. E caem aos prantos em redes sociais."

Oscar Niemeyer morreu. Alguns lamentaram seu fim como a despedida do “último dos comunistas”. Quem dera. Assim como Oscar Niemeyer não foi o último dos comunistas, não haverá tão cedo a última das suítes jornalísticas a seu respeito. Porque o próximo objetivo da imprensa brasileira é tentar superar a cobertura sergipana do Proinveste.

Como se sabe, o Proinveste foi o maior gerador de suítes jornalísticas da história da imprensa local. Como consequência, ele também se tornou o principal indutor do surgimento de uma plêiade ocasional de economistas, macroeconomistas, sociólogos, cientistas sociais e cientistas políticos. Como consequência, ele consolidou uma das fases mais intelectualmente promissoras da história recente de Sergipe. Quando alguém conclui que a repercussão do Proinveste foi uma das fases mais intelectualmente promissoras da história recente de Sergipe, é claro que isso aponta que a história recente de Sergipe não foi mais do que um empréstimo que nunca aconteceu.

O Proinveste foi rejeitado na Assembleia Legislativa. Não é possível medir com seriedade o que o grosso da ‘civilização’ sergipense realmente achou disso. Meu palpite é que o grosso da ‘civilização’ sergipense sequer sabe quem é o governador. Quem pelo menos sabe o nome do governador, entretanto, notou que o círculo íntimo de bajuladores oficiais – mais exposto e fácil de contar – quedou em desespero.

Desespero pressupõe gravidade. Gravidade é um juízo que descende do viés, do ângulo e do ponto de vista. Para um ser humano, uma escarrada não lhe faz muito além de aliviá-lo. Para a minúscula ‘civilização’ de ácaros que está embaixo, é um armagedom de destruição de gerações, patrimônios, culturas, legados, histórias e princípios. É a destruição do passado, a anulação do presente e a negação do futuro. É o ponto final de algum processo de desenvolvimento. É a interrupção do ser e do devir acariano.

O governo Marcelo Déda e seus bajuladores representam uma nação de ácaros. Quando o escarro vem em sua direção, eles reconhecem sua insignificância aracnídea e se põem em correria. Quando algo como o Proinveste é rejeitado, eles alertam o público para a destruição absoluta de qualquer parâmetro de futuro social ou econômico. Rebaixam seus algozes. E caem aos prantos em redes sociais.


A ideia da destruição absoluta do futuro do estado elevou o Proinveste à condição de redenção histórica. De acordo com esse raciocínio, o programa federal era o único meio de retirar Sergipe de seu eterno redemoinho de nulidade política, geográfica, econômica e cultural. Mas acreditar em uma coisa como essa é valorizar um montículo de idiotices cercado de contrassenso por todos os lados.

Primeiro, o tal Proinveste, valorizado como sábia decisão vinda de instâncias federativas divinas, é apenas mais um programete nacional desenvolvido para ampliar a dependência dos estados. Seu objetivo, como qualquer coisa elaborada pelo Partido dos Trabalhadores, é ofertar algum desenvolvimento a curto prazo sob o preço de absoluta dependência fiscal e política no longo. A defesa de uma coisa como essa equivale, portanto, à defesa da perpetuação do endividamento público. Se o Brasil inteiro adotou o programa, isso só quer dizer que o Brasil continua raciocinando como Brasil.

Convém lembrar que a oposição parlamentar estadual não argumentou algo parecido uma única vez. Mas a atuação da oposição é orientada para o prejuízo político do governo. O prejuízo político do governo é um assunto de instância tão baixa que a ignorância de questões mais elevadas é quase uma condição para ser oposição estadual.

Segundo, não há como retirar Sergipe de seu redemoinho de insignificância. A nulidade sergipana é sua característica mais cara e, paradoxalmente, mais visível. Transformar Sergipe em algo significativo é, assim, apagar sua identidade.

Pensar da forma acima, entretanto, é pensar como quem escarra. Para atingir o estranho raciocínio da patota governista, é necessário pensar como aracnídeo. Quando pensamos como um aracnídeo, concluímos que um bilhão de reais em empréstimos não tiraram Sergipe do buraco, mas R$ 727 milhões o fariam. Concluímos que ter um governador como amigo pessoal do presidente durante quatro anos – a política ainda se faz dessas coisas – não tirou Sergipe do buraco, mas que R$ 727 milhões o fariam. Que a entrega de uma sequência de projetos governamentais tão alardeados pela publicidade oficial em seis anos não tiraram Sergipe do buraco, mas que R$ 727 milhões o fariam. Como se vê, das duas, uma: ou Sergipe não tem salvação alguma que possa ser apresentada, ou é o governo que não tem ideia alguma de salvação para apresentar. Diante de ambas as conclusões, o Proinveste é apenas um escarro que só possui protagonismo na imprensa.

Mas Oscar Niemeyer morreu. Os argumentos de Jackson Barreto serão trocados pelo prédio do STF. A gritaria enjoada da oposição será cambiada pelas curvas do Sambódromo. O silêncio constrangido da situação dará lugar aos estranhíssimos elogios do ‘humanismo’ do velho comuna. E o Proinveste, finalmente, trocará as atenciosas suítes pelo obituário.

sábado, 1 de dezembro de 2012

O PRESENTE DIVINO DO CEAC

"Quanto menos o Ceac atende, melhor ele atende. Quanto melhor o Ceac atende, melhor a satisfação cidadã, melhor a fidelização do contribuinte ao local, melhor a tão sacrossanta imagem do governo. Mas os funcionários do Ceac reclamam como se houvesse lucro. Os funcionários do Ceac reclamam como se tivessem participação nesse lucro. Os funcionários do Ceac reclamam como se funcionário público reclamasse de menos trabalho."

    
Tenho uma teoria. O nome dela é Teoria do Apitaço Auto-desmoralizante.  Ela afirma que o apitaço contra as taxas de estacionamento foi uma manobra idealizada pelos próprios donos dos shoppings para desmoralizar o boicote. 

É a única coisa que explica a participação de movimentos sociais, sindicatos e diretórios estudantis no protesto. Porque toda vez que um movimento social, sindicato ou diretório estudantil se envolve em alguma coisa, ela perde imediatamente sua importância. Vira pantomima. Vira teatro. Vira palhaçada. Vira Movimento Não Pago. Vira Movimento Passe Livre. O que os prováveis articuladores dessa manifestação não previram o peculiar estado de animosidade dos funcionários do Ceac. Eles gostaram do apitaço. Eles são a nota de rodapé da Teoria do Apitaço Auto-desmoralizante.

Inspirados na palhaçada e no teatro, funcionários do Ceac Riomar pretendem paralisar as atividades. Eles querem se isentar da taxa. Para fazê-lo, estão considerando uma intervenção de calourada muito mais eficiente do que se reunir com os mandantes da cobrança. Eles também reclamam que graças à cobrança nos estacionamentos o movimento do Ceac caiu 45%. Estranho. Até onde se sabe, uma queda de 45% no movimento do Ceac seria motivo de comemoração. Ceac não é empresa de fins lucrativos. É um complexo de órgãos públicos que existe para agilizar emissão de documentos. Quando sua capacidade ameaça se aproximar dos 100%, é mais provável que um ou outro sistema caia ou uma ou outra fila fique empacada. Quando o movimento cai pela metade, o atendimento melhora. A fila anda. O cidadão sai satisfeito. E ainda pega um cineminha.


Quanto menos o Ceac atende, melhor ele atende. Quanto melhor o Ceac atende, melhor a satisfação cidadã, melhor a fidelização do contribuinte ao local, melhor a tão sacrossanta imagem do governo. Mas os funcionários do Ceac reclamam como se houvesse lucro. Os funcionários do Ceac reclamam como se tivessem participação nesse lucro. Os funcionários do Ceac reclamam como se funcionário público reclamasse de menos trabalho.  

Meu palpite é que a desimportância propositiva de movimentos sociais, sindicatos e diretórios estudantis é um troço contagioso. Para eles, não é só cobrar estacionamento que é feio. Feio é ganhar dinheiro. Já que a redistribuição social nos termos de uma economia de mercado, individualista e meritocrática é complicada, que pelo menos se aplique um muro de contenção para quem faz o papel de “opressor”. Os donos de shopping fazem esse papel. Os funcionários do Ceac acreditam. E com o roteiro dos movimentos sociais, sindicatos e diretórios estudantis na mão, os funcionários do Ceac começam a ensaiar o papel de oprimidos.

Em si mesmo, o apitaço contra a taxa de estacionamento apenas provou que essa estranha instância chamada “sociedade organizada” é uma vergonhosa nulidade. É suficiente notar que a manifestação aconteceu no interior de um ambiente privado como se todos estivessem na praça do Bugio. Isso demonstra que não havia ali um único mamífero capaz de definir, com coerência, onde se inicia o patrimônio público e onde termina o privado. Isso também determina que não havia um ali único organismo capaz de articular, com propriedade, alguma coisa que estivesse acima do oba-oba descerebrado de manobras de massa. Quem não sabe onde se inicia o público e onde termina o privado não sabe viver em sociedade. Quem consegue ser sugado pelo oba-oba não pensa. Quem não sabe viver em sociedade e não pensa não pode reivindicar nada.

Os funcionários do Ceac deveriam ensaiar um papel mais original. O de reivindicadores civilizados de legítimos privilégios. Depois disso, deveriam jogar fora o roteiro da “crasse trabaiadora” e fazer a festa. Porque 45% a menos de trabalho não é castigo de patrão. É uma nota de rodapé no serviço público. É presente divino.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

PRÊMIO PARA TODOS

"Neguinho põe orgulhoso uma imagem de estacionamento vazio. Os shoppings agradecem o comercial gratuito de suas vagas. Neguinho põe todo prosa imagem dos corredores às moscas. Os shoppings agradecem a campanha a favor de seu conforto e vacância."

Dá pra ensaiar com a sinfônica de Boston na ala C do estacionamento do Shopping Jardins. Mas o valor argumentativo de quem defende e de quem acusa a cobrança de taxa nos estacionamentos é o mesmo. Zero. Até agora, um lado não disse nada. O outro, nada de aproveitável. Os shoppings se limitaram à divulgação. O prefeito dedicou-se a se comportar exatamente como manda o roteiro de quem foi chutado do cenário político. A população real partiu para o boicote. A virtual mergulhou na reatividade irrefletida de cunho revolucionário e pré-adolescente. A soma nula de coisas nulas só pode gerar tamanha repercussão em um lugar nulo. A soma nula de coisas nulas em um lugar nulo só mostra que Sergipe é um estacionamento.

Os shoppings podem cobrar o que quiserem. E o boicote a isso é uma reação legítima. O problema é o discurso. Meu esforço intelectual para tirar alguma fundamentação do discurso do boicote é uma das maiores demonstrações de generosidade que fiz este ano. Graças a ele, já sei que serei poupado de tragédias anunciadas. E essa fundamentação diz respeito ao direito de ir a um shopping. O problema é que não existe isso de direito de ir a um shopping. Um shopping tem mais direito de evitar a entrada de quem quer que seja do que alguém tem direito de entrar nele.

Shoppings são entidades privadas. Em decisões de entidades privadas, ninguém se mete. Como não há lazer em Sergipe, os shoppings se tornaram centros de lazer e consumo superestimados. A penetração de seus benefícios é tão profunda que a menor possibilidade de sua redução, mesmo como parte de estratégias privadas, gera péssima repercussão. Essa péssima repercussão é a novena das viúvas da C&A. Já o meu caso é com o mercadinho. Quando o Mossad se cansar de Ana Lúcia – aquela que tem enviado comunicados à embaixada israelense ordenando que a Palestina vença – e bombardear o Shopping Jardins – vazio, é claro – , ficarei de luto por trinta segundos. No trigésimo primeiro, irei ao Bompreço do lado.

Os reclamões são menos felizes que eu. Eles não têm tantas opções. O máximo que têm é a comiseração de vereadores e deputados locais. Quando os shoppings perceberam que a única coisa que estava entre eles e seu direito legítimo eram vereadores e deputados locais, correram para instâncias superiores do Judiciário. Ao contrário do que pensam vereadores e deputados locais, a lei federal considera a propriedade privada um direito, e não critério de punição de bestas do capitalismo diante do tribunal dos ‘cumpanhêro’. Como o direito à propriedade privada existe e o direito a ir ao shopping não existe, os shoppings vencem. Como o direito à propriedade privada existe e o direito do prefeito de ser demagogo não existe, os shoppings cobram.

O sergipano se aferra ao ódio pelos maquiavélicos proprietários de shoppings em nome de seu ‘direito’ de lhes dar menos dinheiro. Mas são os proprietários de shoppings que querem distância do sergipano. Se essa cobrança em estacionamentos tem alguma coisa a ver com garantia de conforto, é com o conforto do proprietário do shopping em favorecer, legitimamente, quem não liga para R$4. Se tem a ver com garantia de segurança, é com a segurança dos acionistas que, aliviados, encorajarão aventureiros que ocupam vaga para gastar R$2 em sorvete a ficar em casa. Não foram os sergipanos que fizeram boicote aos shoppings. Foram os shoppings que decidiram se livrar de alguns sergipanos.

Neguinho põe orgulhoso uma imagem de estacionamento vazio. Os shoppings agradecem o comercial gratuito de suas vagas. Neguinho põe todo prosa imagem dos corredores às moscas. Os shoppings agradecem a campanha a favor de seu conforto e vacância. Neguinho berra em maiúsculas que não irá aparecer no shopping nunca mais. Os shoppings respiram fundo, brincam na cadeira giratória, batem palma, convocam sua equipe de marketing e clamam: “Fizeram tudo o que queríamos. Eles merecem um Prêmio”.

Se Sergipe possui a abrangência e a profundidade de um estacionamento, a campanha anti-shoppings é a sua ala C.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

OS FERIADOS DE CONCEIÇÃO VIEIRA

"Quando chega o Dia da Consciência Negra, Sergipe, que nunca ouve o que Conceição Vieira tem a dizer, ignora a data completamente e experimenta, sem saber, a benção de ser civilização. A Bahia, a miséria de ser ainda mais Bahia."

O Dia da Consciência Negra foi feriado em alguns municípios da Bahia. Em Sergipe, não. Conceição Vieira, a deputada, lamentou. Sabe-se que Sergipe é um puxadinho da Bahia. Às vezes, é melhor que a casa. Às vezes, é só onde se encosta a bicicleta. Às vezes, é só onde nos escondemos em dia de faxina. Às vezes, é apenas onde enterramos revistas de pornografia. Mas quando chega o Dia da Consciência Negra, Sergipe, que nunca ouve o que Conceição Vieira tem a dizer, ignora a data completamente e experimenta, sem saber, a benção de ser civilização. A Bahia, a miséria de ser ainda mais Bahia.

Ninguem aguenta mais discutir a massacrante irrelevância do Dia da Consciência Negra. Todos já cansaram de saber que apenas políticos e membros de movimentos sociais, que também querem ser políticos, dão a mínima para isso. O Dia da Consciência Negra não é mais do que o dia da exploração da inconsciência cidadã. Como há um medo generalizado de se falar no assunto ‘consciência negra’, a imbecilidade apocalíptica dos movimentos sociais pauta a imprensa, a política e os discursos de Conceição Vieira. 

O Dia da Consciência Negra só consegue ser tema atrasado de uma crônica porque o assunto mais importante de Sergipe, nos últimos dias, foi o brevíssimo retorno do governador Marcelo Déda de seu tratamento – para o qual voltará de novo. Como o tratamento de Marcelo Déda o impede de ser governador, ele não governa. Quando ele não governa ou está para não governar, fica tão interessante e público quanto eu. Como eu e Marcelo Déda em tratamento não interessamos a ninguém, o menu de hoje pede uma nulidade qualquer ligeiramente melhor do que nossa insignificância. 

O Dia da Consciência Negra ganhou ares de data festiva no Brasil. Como qualquer outra data festiva no Brasil, ele serve para várias coisas, menos para aquilo que o senso comum sempre apresenta como justificativa universal e inequívoca de qualquer feriado: o repeteco enjoado da reflexão. Uns preferem brincar de capoeira. Outros preferem se fantasiar de somali alimentado. Outros preferem distribuir vexatórios e extemporâneos discursos afirmativos. Estão todos certos, é claro. Data comemorativa não é dia de ter trabalho. E refletir dá trabalho. Refletir dói. Refletir é ameaçador. Refletir pode arrebentar as bases de qualquer farsa. Como a data é uma farsa, a única coisa que os militantes precisam fazer é negar a menor possibilidade de pensar sobre ela. E abrir uma roda de capoeira.

Se a reflexão fosse a tônica do Dia da Consciência Negra, a primeira coisa a ser feita seria pensar na figura de Zumbi dos Palmares como patrono e representante da liberdade negra. Como Zumbi dos Palmares nunca foi mais do que um escravocrata alagoano, a segunda coisa a fazer seria tentar encontrar o conceito de raça. Como o conceito de raça não existe, a terceira coisa a fazer seria discutir a peculiaridade da “nação negra” no multiculturalismo brasileiro. Quando descobrirem que essa política de separatismo social só encontra paralelos no que a humanidade produziu de pior, só restará a quarta coisa a fazer. E a quarta coisa a fazer é tentar adivinhar todos os jargões afirmativos que as celebridades dirão na posse de Joaquim Barbosa no STF. 

Sergipe não dá a mínima para o Dia da Consciência Negra. Sergipe não dá a mínima para Conceição Vieira. Se a junção entre Dia Da Consciência Negra e Conceição Vieira dá em feriado, Sergipe ignora e prefere ir ao trabalho. Sergipe só não aprendeu a ignorar a imbecilizante publicização e a exploração política – de ambos os lados – dos problemas particulares do governador. Quando Conceição Vieira analisar isso em profundidade, não terá dúvidas. Pedirá, para cada dia que o governador voltar a trabalhar, um feriado. 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

VIOLAÇÃO ANAL DA SOCIEDADE

“Depois de apreciar o embate entre “Parada gay, cabra e espinafre” – de J.R. Guzzo – e de “Veja que lixo!” – de Jean Wyllys –, concluí que Jean Wyllys continua nulo, porque não consegue entender nem mesmo um texto de J.R. Guzzo, e que sou indiferente a J.R. Guzzo. O que mudou foi minha compaixão por Pedro Bial: ela aumentou. Porque o resultado mais duradouro da pantomima sociológica de Pedro Bial na televisão, após tantos anos, foram os eleitores de Jean Wyllys”. 


O Brasil considera Pedro Bial um intelectual. Eu considero Pedro Bial um coitado. O Brasil considera a Veja uma publicação reacionária de direita. Eu considero a Veja uma publicação moderada de tucanismo. O Brasil considera J.R. Guzzo nulo, porque ninguém lê J.R. Guzzo, e Jean Wyllys um defensor das causas homossexuais, porque ele é um deputado federal homossexual. Eu considerava J.R. Guzzo e Jean Wyllys nulos, porque nunca havia lido nada de J.R Guzzo e nunca tive nenhuma causa defendida por Jean Wyllys.  

Depois de apreciar o embate entre “Parada gay, cabra e espinafre” – de J.R. Guzzo – e de “Veja que lixo!” – de Jean Wyllys –, concluí que Jean Wyllys continua nulo, porque não consegue entender nem mesmo um texto de J.R. Guzzo, e que sou indiferente a J.R. Guzzo. O que mudou foi minha compaixão por Pedro Bial: ela aumentou. Porque o resultado mais duradouro da pantomima sociológica de Pedro Bial na televisão, após tantos anos, foram os eleitores de Jean Wyllys.

J.R. Guzzo tentou destruir as linhas de raciocínio do delirante movimento gay. Seu texto não é nenhuma Ilíada. Apenas reproduz uma ou outra informação que Olavo de Carvalho dita semanalmente entre cinco carteiras de cigarro e trinta e duas indicações bibliográficas. Mesmo assim, o tratado guzziano conseguiu algo que Silas Malafaia e Jair Bolsonaro, desacreditados pela extravagância, jamais conseguiram: exibir a miséria intelectual de Jean Wyllys e a arrogância histérica do movimento político homossexual.

Jean Wyllys respondeu. Reclamou de muitas coisas. Mas dedicou considerável esforço para reclamar de ter sido chamado de cabra e de espinafre. Só possuo duas teorias para explicar isso. A primeira diz que ele não entendeu os exemplos de J.R. Guzzo. A segunda diz que ele entendeu, e, mesmo assim, decidiu sabotá-los para mobilizar a burrice alheia contra o colunista. No primeiro caso, ele mostra apenas a profundidade intelectual de uma muriçoca. No segundo, um interessante conhecimento de como se comporta a turba que o segue – leitores de Carta Capital, anti-Veja e dispostos a reproduzir a fala de seu líder sem conhecimento da parte contrária – mas, sob esse domínio, o cinismo e a “desonestidade intelectual” que ele atribui onze mil vezes ao seu adversário.

Os exemplos de J.R. Guzzo são recursos didáticos. São ridículos para serem claros. Ninguém pode se casar com uma cabra ou com a própria mãe. Nenhuma lei pode obrigar quem quer que seja a gostar de espinafre ou de abobrinha. Jean Wyllys ficou chateado e subiu no poleiro. Se minha primeira teoria estiver correta, só posso inferir que Jean Wyllys interpreta o mundo como um Robocop gay defeituoso programado para identificar a homofobia. A lâmpada se apagou? Homofobia. O ônibus não parou? Homofobia. Ainda não deu 12h24? Homofobia. O São Paulo não foi pra Libertadores? Homofobia. Por isso ele é do PSOL. A plataforma do PSOL é o combate irrefletido contra o capital e o mundo civilizado. A plataforma de Jean Wyllys é o ódio contra referências ilustrativas a esmo, não direcionadas. A posição de Jean Wyllys como ofendido é, assim, apenas expressão instintiva de sua capacidade de se ofender com qualquer coisa.

A segunda teoria se justifica quando Wyllys invoca que as cabras e os espinafres foram trazidos da vida pessoal do próprio J.R. Guzzo. Se fosse verdade, o episódio seria muito mais engraçado. Infelizmente, seria preciso ser aluno da Faculdade de Militância Gay Jean Wyllys para conseguir interpretar isso no artigo. Ou seja: Wyllys plantou uma interpretação para mobilizar antipatizantes naturais da Veja a favor de sua causa. Esse é só o primeiro dado de sua superioridade moral. O outro é que o primeiro recurso de que Wyllys se valeu para combater uma suspeita de injúria foi, vejam só, a própria injúria. 

"Quantos do meu rebanho compartilharam? 10 mil?"

J.R. Guzzo usou o termo homossexualismo o tempo inteiro. Jean Wyllys não gostou. Para ele, as orientações sexuais não são nem tendências ideológicas nem políticas e nem doenças para admitir a sufixação ‘ismos’. É verdade. Só faltou dizer que o único caso de institucionalização política de uma orientação sexual é o da homossexualidade. Porque não há militância hetero. Não há militância bissexual. Não há militância pansexual. Há, no máximo, alguns adeptos de Lady Gaga.

Mas houve uma elite homossexual que, cansada do marasmo da presunção de igualdade social da Constituição, decidiu pregar uma reengenharia sociológica. Então passou a fazer mais política que sexo, a sentir mais apego aos princípios do que ao tesão e conseguiu gerar, de sua orientação sexual, uma tendência política, ideológica e com objetivos claros de imposição. Quando Wyllys admitir que fala por um ‘ismo’ político e ideológico, perdoarei sua interpretação textual de toupeira com febre. Se continuar dizendo que fala por uma orientação sexual, então só posso inferir que a orientação sexual do homossexualismo é a violação anal da sociedade. 

Jean Wyllys chega a comparar o movimento gay ao movimento negro. É um dos poucos pontos de seu tratado em que ele está absolutamente correto. Tanto o movimento negro quanto o movimento gay representam os mais obtusos casos de intolerância organizada da sociedade. Ambos objetivam ser aceitos por meio de decreto. Ambos estabeleceram que as regras que valem para a sociedade inteira não são suficientes para abranger suas incompreendidas particularidades. Ambos apostam na incompreensível lógica de busca por igualdade social através de uma segregação cada vez maior. Se algo assim fosse dar certo, já reservaria para Ivan Martins – o sujeito que disse que a militância gay melhorou o homem – um voto para presidente da República. Como sei que não dará, posso no máximo torcer para que ele vire assessor de Jean Wyllys.

A homossexualidade é um problema dos homossexuais. O homossexualismo é um movimento que os homossexualistas querem que a sociedade engula. Jean Wyllys é um homossexualista obcecado pelo termo homofobia. O termo homofobia é um neologismo que não quer dizer nada. J.R.Guzzo é um anti-homossexualista incompreendido. Jean Wyllys quer que a sociedade o engula. A sociedade não sabe o que é homofobia. E mesmo assim, prefere não dizer nada.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

190 NELES

"Quem defende o que Rita Lee fez também se considera acima da lei. Quem se considera acima da lei é apenas mais um enrolador de beque da Avenida Beira Mar. E como os enroladores de beque da Avenida Beira Mar, mais um crente na licença poética da desobediência civil. Nossa sorte é que a polícia tem licenças melhores. Uma delas sempre sobrepuja a licença poética da desobediência civil: a licença poética do 'encosta aí, vagabundo'. É o que garante que a sociedade sobreviva à negação da própria sociedade."

Rita no congresso de bundões da MPB
O barulhento comício neo-anarquista de Rita Lee na Barra dos Coqueiros teve duas utilidades. A primeira foi distribuir bordoadas e catiripapos nos enroladores de beque da Avenida Beira Mar. Eles estavam merecendo isso há muito tempo. Espero que seja periódico. Parabéns à polícia, apesar de seu bundamolismo de não enquadrar a mutante depois de seu primeiro “o show é meu”. A segunda foi identificar a qualidade dos adeptos rita-leeanos. Nada animador. Em socorro da velha, se apresentaram em primeiro plano os bundões sub-anarquistas da MPB. Em segundo, Heloísa Helena, o eclipse PSOLar ultra-feminista. Se houver algum outro além destes dois, já será baixaria demais para este blog de família.

Pelo twitter, Beto Lee mostrou-se tristinho com o calvário judicial de sua mãe. Os bundões da MPB vieram galopando tranquilizá-lo. Maria Rita achou a ação judicial um exagero de palhaçada e foi rezar. Lulu Santos achou o processo chocante, desnecessário e arbitrário. Esses foram os da MPB. Logo abaixo na escala de bundões vem Tico Santa Cruz, que não sei como caracterizar. Não lembro o que ele disse.


Quem defende o que Rita Lee fez também se considera acima da lei. Quem se considera acima da lei é apenas mais um enrolador de beque da Avenida Beira Mar. E como os enroladores de beque da Avenida Beira Mar, mais um crente na licença poética da desobediência civil. Nossa sorte é que a polícia tem licenças melhores. Uma delas sempre sobrepuja a licença poética da desobediência civil: a licença poética do 'encosta aí, vagabundo'. É o que garante que a sociedade sobreviva à negação da própria sociedade.  

A negação da sociedade é uma praga pré-adolescente. As pragas pré-adolescentes são perigosas, mas fugazes. Quando a adolescência acaba e o sujeito continua a pensar e agir como se ainda estivesse lá, não temos mais um caso de delinquência. Temos um caso de demência. Minha adolescência acabou quando o rock se aposentou e Chuck Schuldiner morreu. A partir daí, desisti de um mundo legislado por eles e decidi me apegar aos símbolos mais pétreos do status quo. Não foi difícil. Porque se no lugar de Chuck Schuldiner temos Tico Santa Cruz, eu prefiro a polícia. Se no lugar do heavy metal temos One Direction, exijo o rigor do Código Penal. Se no lugar do rock temos “Deus me defenda”, reivindico a adoção do Vade Mecum no pré-primário.

O ponto mais baixo da carreira de Rita Lee, entretanto, não foi em cima do palco ou na Plantonista da Rua Laranjeiras. Foi descendo de uma van acompanhada por Heloísa Helena. Ignoro o que seja ser amigo de Heloísa Helena. O que sei de Heloísa Helena é tudo aquilo que ela se esforça para mostrar que é: um perdigoto de Eduardo Galeano boiando entre o gulag soviético e o calote à dívida externa. O PSOL é o PT em 1982. O PSOL é Heloísa Helena.

Heloísa Helena veio prestar apoio a Rita Lee. Ela acha que a polícia foi truculenta com a velha. Ela acha que Rita Lee disse “venham me prender” e “filhos da puta” guiada pela emoção. Heloísa Helena prefere a polícia serena e compreensiva dos programas estatizantes e caloteiros do PSOL. Ela prefere a liberdade civil de Stalin e Pol Pot.

Heloísa Helena seria capaz de qualquer coisa para defender Rita Lee. Eu não. Mas faria alguma coisa para defender Rita Lee de Heloísa Helena, Lulu Santos e Maria Rita. (Tico Santa Cruz precisa ficar em outra frase). Mas se alguém avistar Rita Lee por aí ao lado dos enroladores de beque da Avenida Beira Mar, não tenha dúvida: é baderna. 190 neles.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

DE OBAMA A NIVALDO DO SEPUMA

"Gritando de um carro de som do lado de fora da Câmara Municipal de Aracaju, Nivaldo Fernandes disse que apoiava Obama. Obama ainda não foi ouvido a respeito. Mas tudo indica que ele também apoiaria Nivaldo Fernandes."



Nivaldo Fernandes e Barack Obama. Barack Obama e Nivaldo Fernandes. Gritando de um carro de som do lado de fora da Câmara Municipal de Aracaju, Nivaldo Fernandes disse que apoiava Obama. Obama ainda não foi ouvido a respeito. Mas tudo indica que ele também apoiaria Nivaldo Fernandes. Já foi provado que se alguém sinaliza a menor simpatia pela causa obamista, conta com o apoio imediato e irrefletido de seu líder. Seja quem for. Venha de onde vier. Mesmo que o adepto em questão seja Vladimir Putin. Mesmo que o adepto em questão seja Hugo Chávez. Mesmo que o adepto em questão seja Danilo Segundo. Mesmo que o adepto em questão seja Nivaldo Fernandes.

Nivaldo Fernandes é brasileiro. Como a maioria dos brasileiros, ele não tinha nenhum motivo realmente sério para apoiar Obama. No máximo ele suspeitava que entre um candidato preto e outro branco, em uma nação com histórico de racismo institucionalizado como os EUA, o preto é quem carrega a bandeira da justiça, da moral e da igualdade. É a matemática do canhestro raciocínio cotista-pretista: como qualquer um, o preto erra. Mas como ele é, por associação histórica, “inferior”, seus erros são perdoados. Obama errou, falseou, desgovernou. Mas ele é preto. Pela matemática cotista-pretista, sim, ele pode.

A mesma coisa parece acontecer em relação ao sindicato presidido por Nivaldo Fernandes. Segundo o vereador Jailton Santana, o Sepuma permaneceu em silêncio durante todo o governo do prefeito Edvaldo Nogueira. Não moveu uma única mitocôndria a favor dos servidores. Mas o Sepuma é um sindicato em pleno governo de esquerda. Governos de esquerda financiam, aparelham e silenciam sindicatos. Perdão concedido.

Não sei quem é Nivaldo Fernandes. Desconheço Jailton Santana. Desconfio que possuo sorte em ambos os casos. Mas o embate entre eles é desigual. Jailton Santana faz oposição a Edvaldo Nogueira. Como em Aracaju qualquer um faz oposição a Edvaldo Nogueira, Jailton Santana representa o atual establishment. Sozinho no banheiro, o próprio Edvaldo Nogueira deve fazer oposição a Edvaldo Nogueira. A única forma de superar uma corrente tão sólida de unanimidade é apelar para outra maior ainda. Nivaldo apelou. Apelou para Obama. Com a benção democrata, conseguiu levar adiante a atualização do Estatuto do Servidor Municipal. Com a eleição de Obama, cairá na gandaia duplamente.

Obama venceu nos EUA. Nivaldo Fernandes venceu na Praça Fausto Cardoso. Obama discursou para milhares de progressistas americanos em agradecimento. Nivaldo Fernandes discursou de um carro de som para cinco pessoas de costas enquanto misturava impropérios com ufanismo de shopping center. Não tem como um não ter apoiado o outro.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

REDAÇÃO DO ENEM: MANUAL TARDIO DO CANDIDATO

"Falar sobre imigração para o Brasil no século 21 é muito mais fácil do que falar sobre violência, meio-ambiente ou redes sociais. Bastaria somar todos os jargões e lugares-comuns presentes nas manchetes. Daria para entregar um negócio assim em quinze minutos. E ir à praia. "

(também publicado no Notícias Aju)

Tema da redação do Enem 2012: imigração para o Brasil no século 21. Alguns candidatos não gostaram da proposta. Eles esperavam um repeteco de temas como violência, meio-ambiente e papel das redes sociais no mundo globalizado. Todos os três temas citados possuem jargões textuais amplamente difundidos. A existência de jargões torna qualquer redação um amontoado de generalidades da qual é possível se livrar em vinte minutos. Sem saber, os candidatos insatisfeitos perderam a oportunidade de suas vidas.

Falar sobre imigração para o Brasil no século 21 é muito mais fácil do que falar sobre violência, meio-ambiente ou redes sociais. Bastaria somar todos os jargões e lugares-comuns presentes nas manchetes. Daria para entregar um negócio assim em quinze minutos. E ir à praia. 

Primeiro jargão: o Brasil é um país de todos. As notícias que davam conta de um movimento imigratório no Brasil pipocaram em janeiro deste ano. De acordo com as matérias, os imigrantes estão vindo de países como Haiti, Paquistão, Índia e Bangladesh. Os especialistas ouvidos diziam que a grande razão para a vinda de estrangeiros era a ampliada projeção brasileira no exterior. Todos pareciam concordar com isso. Menos os próprios imigrantes. Nas entrevistas, as reportagens mostraram que eles ou vieram parar aqui por acaso ou vieram porque não tinham dinheiro para ir para EUA e Europa. O Brasil era só uma versãozinha mais baratinha de desenvolvimento para quem nunca viu isso na sua frente. 

Nada disso, porém, deveria ir na redação. Seria feio. O correto seria dizer que Dilma, a Nossa Senhora do MR-8, está abrindo os portões do paraíso para os pobretões de todo o sistema solar. O Brasil é um país de todos. De todos os pobretões.

Segundo jargão: o Brasil é o país do futuro. O Enem é uma prova dirigida, comandada e idealizada pelo Ministério da Educação.  Fazer bem a redação do Enem é dizer o que o Ministério da Educação quer ouvir. O que ele quer ouvir é que o Brasil está recebendo mais gente porque virou, nos últimos nove anos, um portal intradimensional de crescimento econômico e espiritual. Para acreditar nisso, é preciso ter nascido em um país absolutamente devastado por todos os desastres naturais imagináveis, destruído por um sistema político arcaico e mastigado por uma história de miséria. Para acreditar nisso, é preciso ter nascido no Haiti. Qualquer coisa é melhor que o Haiti. Até o Brasil.

Nada disso, porém, deveria ir na redação. Seria indecoroso. Melhor seria dizer que o Brasil é a mola-mestra do desenvolvimento do Haiti. Primeiro, com uma espécie de ocupação militar. Segundo, com uma espécie de convite à ocupação de canteiros de obras. O Brasil é o país do futuro. Do futuro do Haiti.

Terceiro jargão: o Brasil é o país das oportunidades. No Brasil, todos têm direito a curso superior. Mesmo com o inaceitável desempenho geral das universidades no Enade e dos vergonhosos índices brasileiros em educação diante do mundo, o país segue sua marcha rumo à universalização do canudo. A universalização do canudo não significa difusão de conhecimento e preparo, mas de uma brutal queda na qualidade do ensino superior para absorver e endossar a aprovação de imbecis.

É claro que nada disso deveria ir na redação. Seria falta de educação. Dissessem que quando souberam da universalização do canudo, os miseráveis de Bangladesh e Paquistão vieram correndo. Isso porque visualizaram, com razão, que era possível se graduar em Letras Português e em Enfermagem ao mesmo tempo em que trabalhavam nas fundações de um estádio em Manaus. O Brasil é o país das oportunidades. O Brasil é o país do jeitinho.

Os candidatos do Enem acharam que o tema da redação significou o começo do fim de seus desempenhos. Zero de interpretação para eles. Seus desempenhos nunca foram nada. O Enem é que é o começo do fim da educação no Brasil.

sábado, 3 de novembro de 2012

ROGÉRIO CARVALHO, O CAETÉ DO WIKIPÉDIA

"Serigy lutou contra os portugueses. Os portugueses tinham um projeto. O projeto, que era ruim, daria no Brasil. Mesmo sem desconfiar que o projeto português daria no Brasil, Serigy lutou contra ele. Só por causa disso, deve ser considerado um grande sujeito. Jamais, um herói nacional."

(também publicado no Notícias Aju)


O deputado federal Rogério Carvalho quer empurrar o cacique Serigy para o Livro dos Heróis da Pátria. O pedido já foi aprovado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara. O Livro dos Heróis da Pátria traz dez nomes. Entre eles Tiradentes, boi de piranha dos inconfidentes mineiros. Entre eles Zumbi dos Palmares, herói da liberdade que possuía cativos particulares. Entre eles Santos Dumont, dândi que fez de tudo na vida, menos inventar o avião. Como se vê, os heróis do Brasil são assim. Repletos de contradições que, se o tornam menos heróis, pelo menos os tornam mais brasileiros.

O cacique Serigy foi um líder indígena do século XVI.  Segundo o projeto de Rogério Carvalho, ele também foi um “guardião da soberania, da autoestima, da liderança e da luta”. É claro que ele deve estar certo. Quase todos os historiadores brasileiros dão conta de que os índios eram heróis. O problema é dizer que a soberania, a autoestima, a liderança e a luta do cacique Serigy estavam a serviço do Brasil. Porque Serigy lutou contra os portugueses. Os portugueses tinham um projeto. O projeto, que era ruim, daria no Brasil. Mesmo sem desconfiar que o projeto português daria no Brasil, Serigy lutou contra ele. Só por causa disso, deve ser considerado um grande sujeito. Jamais, um herói nacional.

Serigy viveu no século XVI. Nessa época, o “Brasil” não passava de um punhado de carolas, latifundiários e burocratas decidindo o que fazer com todo aquele mato, todas aquelas mulheres nuas e todos aqueles gentios preguiçosos e militarmente inexpressivos. Quem sabia aproveitar a vida era a tribo dos caetés. A primeira coisa que fizeram quando viram um bispo católico na sua frente foi comê-lo. O governo português não aprovou o lanche, foi à forra e iniciou uma perseguição sem precedentes aos aborígenes.

Os tupinambás de Serigy estavam no caminho. Até onde se sabe, não há registros de que Serigy estaria lendo algum tratado ufanista de Plínio Salgado ou Marcelo Déda no momento em que viu o primeiro português. Nem de que estivesse enrolado na bandeira sergipana sob o som de Kleber Melo. Ao invés disso, há testemunhos de que ele se organizou para defender, apenas, sua tribo de tupinambás. Alguns podem considerar os tupinambás como brasileiros. Os tupinambás, por seu turno, não deviam se considerar muito mais do que tupinambás.

O projeto de lei de Rogério Carvalho baseia-se em textos do historiador Eduardo Bueno e no Wikipédia. O Wikipédia é um expediente de consulta rápida para estudantes, desinformados em geral e gente que não se interessa por muita coisa, como eu. Recorrer ao Wikipédia para tentar empurrar um herói no panteão nacional é a ultrapassagem de várias dimensões de sem-vergonhice, desleixo e preguiça intelectual. Mas Rogério Carvalho e sua assessoria são incansáveis. Mal se presta atenção nisso, eles emitem um release ainda melhor.

Enquanto ecoa que aquele era o melhor projeto de lei do mundo, o material atesta que os índios de Serigy lutaram, entre outras coisas, pelo direito à terra. Eis então a grande particularidade das tribos sergipanas. Além de terem previsto o Brasil e sua soberania, eles defenderam o direito à propriedade privada séculos antes de John Locke e da Declaração Universal de Direitos Humanos.

A assessoria de Carvalho também informa que “em 1590, após um mês de batalha contra uma esquadra de guerra, os portugueses conquistaram a cidade de Aracaju e dizimaram a tribo do cacique Serigy”. A relação entre “batalha contra uma esquadra de guerra” e  “portugueses”, dando a entender de que um estava contra o outro, foi apenas um equívoco infantil de coesão. Equívoco maduro é localizar Aracaju em algum lugar do século XVI. Faltou dizer o bairro. Deve ter sido nas proximidades do Índio Palentim.

Rogério Carvalho recorre ao Wikipédia e põe Aracaju no colo de Cristóvão de Barros porque tem pressa. Sua pressa acompanha a velocidade com que o estranhíssimo episódio dos índios guarani-kaiowá tende a desaparecer do noticiário. Até lá, ele tentará cavar para Sergipe essa pequena conquista do bairrismo rasteiro disfarçada de nacionalismo e política etnicamente correta. Pelo menos, no fim das contas, Sergipe e Brasil terão um herói do passado à altura de seu presente: aquele que deu a vida para que nada disso que temos hoje pudesse existir. 

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

TREATS E MAIS TREATS

"O Dia do Saci foi instituído em 2005. (...) O texto do projeto de lei dizia que o objetivo da iniciativa era promover a “valorização de nossas tradições e manifestações folclóricas originais”. Estranho. Se o Brasil quisesse valorizar suas tradições originais, deveria instituir um Dia do Suborno, um Dia do Feriado ou um Dia do Tô Indo Mais Cedo Hoje. Se quisesse valorizar suas manifestações folclóricas originais, deveria, no máximo, instituir um Dia da Utilidade Pública do Secretário-Adjunto".

Ele apoia cotas para figuras folclóricas pretas

Angélica Guimarães. Ana Lúcia. Maria Mendonça. Conceição Vieira. Com a benção dessas teteias, feliz Dia das Bruxas para todos. Happy Halloween for all of you. A great all Hallows' eve, folks. Alguém com dreadlocks e camisa do MST jogou um tangerina. Parece que também é Dia do Saci. 

O Halloween é americano. Por lá, o sistema é simples, lógico, recompensador. Trick-or-treat. O Dia do Saci é brasileiro. Logo, o sistema só pode ser cambaleante, ilógico, obsceno. Você recebe o treat primeiro. E tem que dar um trick antes de um novo treat.

O Dia do Saci foi instituído em 2005. O Projeto de Lei que o definiu foi elaborado pela então deputada federal Angela Guadagnin, do PT. Ela se baseou em uma ideia brilhante tida pelo deputado federal e atual ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, em 2003. O texto do projeto dizia que o objetivo da iniciativa era promover a “valorização de nossas tradições e manifestações folclóricas originais”. Estranho.

Se o Brasil quisesse valorizar suas tradições originais, deveria instituir um Dia do Suborno, um Dia do Feriado ou um Dia do Tô Indo Mais Cedo Hoje. Se quisesse valorizar suas manifestações folclóricas originais, deveria, no máximo, instituir um Dia da Utilidade Pública do Secretário-Adjunto. O saci, por outro lado, tem muito pouco de original e menos ainda de popular. É um sincretismo doido – gorro de europeu, cachimbo africano, temperamento indígena – com duas origens prováveis: uma identificada entre índios paraguaios e outra nos levantamentos de estudiosos de obscurantismos indígenas, muito provavelmente dedicados a erigir, no Brasil, o nacionalismo imbecil que pavimentou o caminho rumo às duas grandes guerras.  


O Projeto de Lei também definia o Dia do Saci como uma alternativa ao Halloween, uma festa que “como tantas outras celebrações da cultura norte-americana de forte apelo comercial”,  “tem atraído cada vez maior número de jovens e crianças”. Ou seja: o Halloween seria uma ameaça à soberania nacional. Com seu apelo comercial e sucesso entre jovens e crianças, ele atentaria contra a sacrossanta cultura originária tupiniquim. Isso mostra que o Brasil, além de erradicar a miséria e o analfabetismo, também deveria se dedicar à erradicação de estrangeirismos. 

Este, por sinal, é um movimento antigo no país. O movimento negro no Brasil é uma negação do estrangeirismo personificado pelo movimento negro americano. O movimento gay no Brasil é uma negação do estrangeirismo representado pelo movimento gay americano. O movimento comunista universitário é uma negação do cubanismo da guerrilha, do eslavismo do comunismo marxista e do italianismo gramsciano. Há dois estrangeirismos, entretanto, que ainda insistem em permanecer no Brasil para aborrecimento dos engajados neo-integralistas: a americanófila liberdade de imprensa e a francófila divisão de poderes. Mas com um pouco de sacis, eles conseguirão exterminá-los. 

O Projeto de Lei do Dia do Saci dizia ainda que a comemoração da data irá “fortalecer o processo de consolidação da identidade nacional bem como a autoestima do povo brasileiro”. Está corretíssimo. A autoestima do povo brasileiro não tem nada a ver com o bom andamento da democracia ou com a aplicação de uma penca de valores civilizatórios. A autoestima do povo brasileiro depende do apego nacional ao doentio mito da superioridade moral aborígene, ao nacionalismo fraudulento e ao folclore imbecil.

Mesmo tentando pelo menos fazer parte do Brasil, Sergipe segue o país  sem grande esforço
nesse aspecto.  Desesperado para se segurar em algum símbolo que justifique sua autenticidade – que evidentemente, não existe –, o estado é capaz até de financiar o folclore para garantir que ele exista. São as caceteiras de sei lá o quê? Tome dinheiro do governo. São os caboclinhos de sei lá o quê? Tome dinheiro do governo. São as rainhas de reisado de sei lá onde? Tome dinheiro do governo. Existam, por favor. Sem vocês, não temos a autenticidade acadêmica que justifica o excelso discurso de “minha rua é a mais bonita”.

Comemorar o Halloween é agir de modo contrário a tudo isso. Porque comemorar o Halloween é negar o saci. Negar o saci é negar o artificialismo imbecilizante do ultranacionalismo brasileiro. Negar a imbecilidade brasileira é negar Aldo Rebelo e Angela Guadagnin. Que deveriam, inclusive, agradecer por termos uma geração inteira educada pelo civilizado Halloween americano. Se fôssemos todos educados pelo saci, aprontaríamos com eles primeiro. E ainda esperaríamos, serelepes, um docinho.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

BELIVALDO, O TADINHO

"Belivaldo Chagas é o grande saco de pancadas da política sergipana. Toda vez que ele leva um cascudo das circunstâncias, aparece um mané logo atrás para aplicar-lhe mais uma bordoada de brinde. Susana Azevedo aplicou-lhe um nocaute técnico por 13 a 9 na votação para Conselheiro do TCE. Mas o pior estava por vir."

Fica assim não. Depois piora
O secretário de Estado da Educação, Belivaldo Chagas, estabeleceu uma meta em sua vida política: se livrar da Secretaria de Estado da Educação. Para se livrar da Secretaria de Estado da Educação, ele faria qualquer coisa. Até mesmo participar de um dos mais obscenos e caudilhistas processos de seleção da atual estrutura política nacional: a escolha de conselheiro para um Tribunal de Contas do Estado. Então Déda acabou. As chances de Belivaldo ser escolhido diminuíram fragorosamente. Quando Belivaldo se viu entre um governo arrasado politicamente de um lado e uma secretaria arrasada estruturalmente de outro, seu desejo de cair fora aumentou desesperadamente. Suas chances já não importavam. O que importava era o sono tranquilo de quem, pelo menos, tentou

Belivaldo esteve certo o tempo inteiro. Abandonar a Secretaria de Estado da Educação é a melhor coisa que alguém pode fazer por Sergipe. Se Sergipe é o estado que mais se gaba pelo seu pioneirismo em certas áreas – devido a algumas facilidades infraestruturais e comunicativas –, deveria finalmente fazer algo de aproveitável e inovador e entregar toda a educação à iniciativa privada. Não são os péssimos números do IDEB que fundamentam isso. São os graciosos rabiscos de “lave-me, estou presizando” nos pára-brisas dos carros dos desleixados professores da Universidade Tiradentes. São as dancinhas mal ensaiadas dos estudantes durante festinhas de grêmios estudantis. São os discursos em defesa das cotas para estudantes do ensino público. São as notícias revigorantes do site da Secretaria de Educação.

O site da Secretaria de Educação não se contenta em obedecer ao princípio constitucional da publicidade dos atos governamentais. Ele também passou a ser o grande oráculo do governo. Com os olhos no futuro, ele anuncia que “investimentos de mais de R$ 44 milhões do Proinveste [sic] vão revolucionar a educação profissional de Sergipe”. No universo do departamento de comunicação da Seed, o Proinvest já foi aprovado e investido. Só falta saber o que anda sendo feito com os recursos que o governo já tem.

Não é preciso ir muito longe para constatar o que vem sendo feito.
A notícia mais relevante divulgada pela Seed nos últimos dias dá conta de que o governo organizou a formatura de 155 alunos de cursos técnicos profissionalizantes. Desses 155 formandos, 111 estavam se formando através de um programa federal. A conjuntura é clara. Além de ser a Rejane Rios do governo dedista, a Secretaria de Educação se priva da preocupação com o ensino para exercer outra função: a de setor de cerimonial de Aloizio Mercadante. 

Comandar uma coisa como essa não deve ser algo recompensador. Recompensador é sair. Se for por cima, melhor. O problema é que Belivaldo Chagas é o grande saco de pancadas da política sergipana. Toda vez que ele leva um cascudo das circunstâncias, aparece um mané logo atrás para descer-lhe mais uma bordoada de brinde. Nesta terça-feira, Susana Azevedo aplicou-lhe um nocaute técnico por 13 a 9 na votação para Conselheiro do TCE. Mas o pior estava por vir. Cinco minutos depois, o governador tuiteiro resolveu fazer-lhe uma espécie de saudação. “O TCE acaba de perder um grande Conselheiro, mas o Governo continuará contando com um excepcional Secretário de Educação: Abração, Belivaldo!”

Tudo o que Belivaldo queria era dormir tranquilo por ter tentado sair. Agora, irá dormir lembrando o buraco para onde
terá de voltar.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

AS IRMÃS FRANCISCANAS DE SÃO MARCELO

"Assim como Jacques Haddad, o governador continuou com seus afazeres mesmo sob a opressão de uma doença. As irmãs franciscanas da Santa Cruz do Líbano devem ter admirado profundamente o desprendimento de seu mestre, mas prosseguiram seu trabalho. As irmãs franciscanas da São Marcelo, por outro lado, usam seu trabalho para aproximar o governador do Vaticano."

Jacques Ghazir Haddad foi um frade libanês morto em 1954. Durante sua vida, fundou hospitais, abrigos e casas de assistência social. Em 1920, criou a ordem das Irmãs Franciscanas da Santa Cruz do Líbano. Uma de suas biografias exalta-o como um sujeito incansável, que mesmo acometido de cegueira e leucemia, nunca interrompeu seus trabalhos de amparo aos pobres, doentes, idosos e sem-teto. Em 1979, um processo a favor de sua beatificação foi instaurado no Vaticano. Em 2008, ele foi finalmente reconhecido beato. Ser beato não significa ser santo. Mas significa estar na lista de espera para sê-lo.

Fernando Haddad, prefeito eleito de São Paulo, possui ascendência libanesa e sobrenome homônimo ao do frade. Mas apesar de ser um quadro do PT com grandes chances de ser beatificado e canonizado pelo diretório nacional do partido, tem muito menos em comum com Jacques Haddad do que Marcelo Déda. Por uma razão simples. Assim como Jacques Haddad, Déda tem em seu auxílio sua própria ordem das Irmãs Franciscanas da Santa Cruz do Líbano. É a ordem das Irmãs Franciscanas de São Marcelo.

A ordem das Irmãs Franciscanas de São Marcelo realiza trabalhos de assistência aos pobres desinformados e intelectualmente oprimidos. Seu objetivo, porém, é o inverso de sua símile libanesa: enquanto a estrangeira partia da assistência social para uma consequente reverência ao seu tutor, a ordem franciscana local parte da reverência ao seu tutor para alcançar alguma espécie ainda desconhecida de assistência.

Como toda ordem franciscana, a ordem de São Marcelo também faz voto de pobreza. Suas privações incluem a negação absoluta de valores como discernimento, interpretação crítica e avaliação razoável da realidade. A pregação das irmãs franciscanas, entretanto, prescinde do expediente da peregrinação. Seu método é o da disseminação por meios de massa. Seus canais preferidos, colunas políticas de jornais impressos locais e portais de notícias.

As irmãs franciscanas de São Marcelo são caracterizadas por uma certa aflição. Ao contrário de suas correspondentes orientais, elas querem ver seu magnânimo líder beatificado imediatamente. Se Jacques Haddad teve de aguardar 25 anos depois de morto para conseguir um processo de beatificação no Vaticano, Marcelo Déda já teve seu processo enviado no último sábado. A emissão dos protocolos foi confirmada pelo texto em primeira pessoa “Déda e a voz da alma”, de autoria de uma das irmãs franciscanas mais carolas da ordem: Cláudio Nunes. No emocionado depoimento, Déda transmuta-se de simples governador adoecido a mártir superior. Um mártir que ascenderá com sua doença ao panteão auriverde dos heróis nativos, enrolado na bandeira de Sergipe e vociferando, em dialeto Tupinambá, alguma coisa que a Secom enfeitou depois e Eugênio Nascimento reproduziu na íntegra.

Assim como Jacques Haddad, o governador continuou com seus afazeres mesmo sob a opressão de uma doença. As irmãs franciscanas da Santa Cruz do Líbano devem ter admirado profundamente o desprendimento de seu mestre, mas prosseguiram seu trabalho. As irmãs franciscanas da São Marcelo, por outro lado, usam seu trabalho para aproximar o governador do Vaticano.

A imprensa sergipana é uma piada. Ser piada não significa ser farsa. Mas é estar na lista de espera para sê-la.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O ESCURINHO E A BELLE ÉPOQUE

"O Nordeste continua agrícola. O Nordeste continua mal escolarizado. O Nordeste continua pobre. O Nordeste continua nordestino. No meio de minha pesquisa, veio um apagão. No meio do apagão, um vôlei de verborragia entre nordestinos e sudestinos. Depois do apagão, uma luz. A única coisa que realmente mudou no Nordeste foi aquilo que nem o IBGE nem a Teoria do Caos tentaram explicar. O nordestino está menos irreverente. O nordestino está mais ufanista. O nordestino está mais chato. "

Um dos vários nus artísticos que fiz durante o apagão

A Teoria do Caos é um importante pilar da ciência contemporânea. Um outro parece  ser o site do IBGE. Um dos objetivos da Teoria do Caos é depreender a complexidade de alguns fenômenos a partir de fórmulas matemáticas. O objetivo do site do IBGE é usar a complexidade de tabelas para convencer o internauta de que o Brasil é um caos. Enquanto os outros sites se esforçam para que o usuário permaneça, o site do IBGE se esforça para que o usuário saia e vá fazer algo melhor. É um esforço nobre. Mas como clicador compulsivo, não me abati. Continuei no caos do site do IBGE.

Vi que não há grandes novidades no Censo 2010. O Nordeste continua agrícola. O Nordeste continua mal escolarizado. O Nordeste continua pobre. O Nordeste continua nordestino. No meio de minha pesquisa, veio um apagão. No meio do apagão, um vôlei de verborragia entre nordestinos e sudestinos. Depois do apagão, uma luz. A única coisa que realmente mudou no Nordeste foi aquilo que nem o IBGE nem a Teoria do Caos tentaram explicar. O nordestino está menos irreverente. O nordestino está mais ufanista. O nordestino está mais chato.

Rir da própria miséria é o grande mote dos sobreviventes. Os índices do IBGE apontam que o Nordeste continua terra de sobreviventes, embora o Norte já esteja se assentando melhor no posto de pior lugar do país. Os nordestinos das redes sociais, entretanto, discordam. Para eles, o nordeste é a Babilônia. Não tem ninguém sobrevivendo aqui. Estão todos de férias em Fortaleza. Por isso, acabou a brincadeira. Ninguém está autorizado a fazer piada sobre o Nordeste. O Nordeste dos tuiteiros virou uma nação autônoma de avanço, felicidade, tomadas de Juliana Paes nua em Ilhéus e reportagens sobre tubarões em Fernando de Noronha.

Quando o Nordeste começa a se sentir uma nação autônoma, é hora de se preocupar. Quer dizer que ainda não sabemos muito bem o que significamos. É uma das disfunções cognitivas do ufanismo imbecil. Ser ufanista é considerar que as qualidades são tão superiores aos defeitos que chegam, até, a anulá-los. Ser imbecil é ter coragem de emitir qualquer pensamento posterior a esse estado de nulidade crítica. Como pedir mais respeito.

Acontece que o Nordeste é só uma das piores partes de um país que nunca esteve muito bem. Se estivesse sozinho, estaria arruinado. Poderíamos acabar governados por José Sarney. Não que Dilma seja melhor do que Sarney seria. Mas ela possui uma vantagem importante: tem mais estados para governar atabalhoadamente. Ao invés de ficar mais uma semana em Salvador para pedir votos para um dilmista local, ela tem que ir correndo pra São Paulo para pedir votos para outro dilmista local. Estamos salvos. 
Nu frontal
Como o Nordeste não é uma nação autônoma, morde o patrimônio nacional. O patrimônio nacional é gerado, em grande parte, pelo Sudeste. Eles não costumam ser muito bons de piada. Também são péssimos em música. Mas são bons de trabalho e de tomar emprego. No meio do caótico site do IBGE, constata-se que Sergipe, conhecida rota de fuga dos baianos, tem 79.303 baianos e 159. 554 paulistas. Já vi baiano assaltando sergipanos. Já vi baiano pedindo esmola. Já vi baiano embaixo da ponte. Não vi nenhum paulista nem assaltando, nem pedindo esmola nem embaixo da ponte. 

Há algum tempo, o máximo que o Nordeste conseguia era gerar bons comediantes. De repente surgiu a internet, os apagões e os bolsa-esmola. O Nordeste alcançou, pelos discursos tuiteiros, sua belle époque de prosperidade com direito a algum patrulhamento do senso de humor. No site do IBGE, porém, o Nordeste não mudou muito: continua o mesmo fenômeno sob números parecidos. No caos das redes sociais, quem anda mostrando que mudou foi o nordestino. Antes, ele não sabia de nada e usava o humor como escudo contra quem o desmerecia.  Hoje, ele acha que sabe alguma coisa e usa o ufanismo imbecil enquanto lhe levam o emprego. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

PROINVEST É A IMPRENSA QUE O PARIU

"Façamos um joguinho. O comentarista que amanhecer os próximos dias pregando republicanismo e bom-senso aos parlamentares ganhará o troféu 'Secom de difusionismo em prol da pressão política governista e da falta de assunto'. O comentarista que amanhecer os próximos dias com novas declarações de Jackson Barreto (...) ganhará um telefonema de Expedita Ferreira."
Se o Proinvest aparecer mais uma vez em alguma manchete, telefonarei imediatamente pra filha de Lampião, Expedita Ferreira. Como se sabe, Expedita Ferreira está determinada a extinguir da face da terra – por meios jurídicos – um livro que acusa Lampião de ter sido gay. Não conseguiu extinguir o livreco nem da face de Salvador. Mas só com a ajuda de sua determinação de extinguir coisas conseguirei eliminar da face dos noticiários sergipanos – por qualquer meio – matérias que tragam Proinvest ou declarações de Jackson Barreto.

O Proinvest é o tema de verão da imprensa pateta. O que significa que a imprensa pateta e o governo pateta e desesperado, afinadinhos, estão em coito explícito. O problema é que é um coito com clímax privado. Um coito em que quem goza é quem está filmando: os Amorim Brothers. Enquanto os títeres da dupla se divertem nas comissões da Assembleia jogando Angry Haddad com o site da Secretaria do Tesouro Nacional minimizado, os noticiosos locais mastigam caninamente a ração distribuída pelo Departamento de Alisamento de Pentelho oficial. A dieta é simples. Meia tigela de “esses recursos são fundamentais”. Um tantinho de “me sacrificarei pelo estado”. Outro tantinho de “as criancinhas estão esperando a liberação”. Outro tantinho de “bora, porra, o BNDES tá no meu cangote”.

Quem não acompanha nada vive na sábia paz de sua ignorância. Quem tenta acompanhar, como eu, passa maus bocados. Ando tendo alucinações. A manchete de ontem do site do Estadão trazia “Haddad tem 49% e Serra 36% em São Paulo, aponta Ibope”. Ao invés disso, vi “Proinvest tem 49% de chance de ser aprovado se Jackson aparecer 36% menos, aponta Oliveira Jr”. A manchete da Folha de São Paulo trazia “Mais próximas dos consumidores, Coca-Cola e Omo são as mais lembradas”. Ao invés disso, vi “Mais próximos do Proinvest, Piauí e Roraima zombam de Sergipe”. O site do Jornal do Brasil trazia “STF condena Marcos Valério a 40 anos de prisão”. Ao invés disso, vi “Imprensa sergipana condena leitores a mais 40 manchetes sobre Proinvest”. O Terra trazia “Para Haddad, vantagem sobre Serra em pesquisa ‘não é confortável’”. Ao invés disso, vi “Para Amorim, vantagem humilhante sobre Déda ‘não foi João que fez’”.

Não existe solução para isso. Quando não existe solução, o jeito é se divertir. Façamos um joguinho. O comentarista que amanhecer os próximos dias pregando republicanismo e bom-senso aos parlamentares ganhará o troféu “Secom de difusionismo em prol da pressão política governista e da falta de assunto”. O comentarista que amanhecer os próximos dias com novas declarações de Jackson Barreto e de secretários de Estado se borrando diante do 31 de janeiro – prazo final determinado pelo BNDES e data do apocalipse particular de Sergipe – ganhará um telefonema de Expedita Ferreira. O comentarista que entender que suítes jornalísticas pressupõem acréscimo de fatos – mesmo na realidade subterrânea de Sergipe – que pegue a câmera aqui um estante. A pornochanchada tá boa. Mas preciso ir ali mudar de assunto. E encomendar um livro de Lampião. Dizem que só tem em Salvador.