quarta-feira, 31 de outubro de 2012

TREATS E MAIS TREATS

"O Dia do Saci foi instituído em 2005. (...) O texto do projeto de lei dizia que o objetivo da iniciativa era promover a “valorização de nossas tradições e manifestações folclóricas originais”. Estranho. Se o Brasil quisesse valorizar suas tradições originais, deveria instituir um Dia do Suborno, um Dia do Feriado ou um Dia do Tô Indo Mais Cedo Hoje. Se quisesse valorizar suas manifestações folclóricas originais, deveria, no máximo, instituir um Dia da Utilidade Pública do Secretário-Adjunto".

Ele apoia cotas para figuras folclóricas pretas

Angélica Guimarães. Ana Lúcia. Maria Mendonça. Conceição Vieira. Com a benção dessas teteias, feliz Dia das Bruxas para todos. Happy Halloween for all of you. A great all Hallows' eve, folks. Alguém com dreadlocks e camisa do MST jogou um tangerina. Parece que também é Dia do Saci. 

O Halloween é americano. Por lá, o sistema é simples, lógico, recompensador. Trick-or-treat. O Dia do Saci é brasileiro. Logo, o sistema só pode ser cambaleante, ilógico, obsceno. Você recebe o treat primeiro. E tem que dar um trick antes de um novo treat.

O Dia do Saci foi instituído em 2005. O Projeto de Lei que o definiu foi elaborado pela então deputada federal Angela Guadagnin, do PT. Ela se baseou em uma ideia brilhante tida pelo deputado federal e atual ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, em 2003. O texto do projeto dizia que o objetivo da iniciativa era promover a “valorização de nossas tradições e manifestações folclóricas originais”. Estranho.

Se o Brasil quisesse valorizar suas tradições originais, deveria instituir um Dia do Suborno, um Dia do Feriado ou um Dia do Tô Indo Mais Cedo Hoje. Se quisesse valorizar suas manifestações folclóricas originais, deveria, no máximo, instituir um Dia da Utilidade Pública do Secretário-Adjunto. O saci, por outro lado, tem muito pouco de original e menos ainda de popular. É um sincretismo doido – gorro de europeu, cachimbo africano, temperamento indígena – com duas origens prováveis: uma identificada entre índios paraguaios e outra nos levantamentos de estudiosos de obscurantismos indígenas, muito provavelmente dedicados a erigir, no Brasil, o nacionalismo imbecil que pavimentou o caminho rumo às duas grandes guerras.  


O Projeto de Lei também definia o Dia do Saci como uma alternativa ao Halloween, uma festa que “como tantas outras celebrações da cultura norte-americana de forte apelo comercial”,  “tem atraído cada vez maior número de jovens e crianças”. Ou seja: o Halloween seria uma ameaça à soberania nacional. Com seu apelo comercial e sucesso entre jovens e crianças, ele atentaria contra a sacrossanta cultura originária tupiniquim. Isso mostra que o Brasil, além de erradicar a miséria e o analfabetismo, também deveria se dedicar à erradicação de estrangeirismos. 

Este, por sinal, é um movimento antigo no país. O movimento negro no Brasil é uma negação do estrangeirismo personificado pelo movimento negro americano. O movimento gay no Brasil é uma negação do estrangeirismo representado pelo movimento gay americano. O movimento comunista universitário é uma negação do cubanismo da guerrilha, do eslavismo do comunismo marxista e do italianismo gramsciano. Há dois estrangeirismos, entretanto, que ainda insistem em permanecer no Brasil para aborrecimento dos engajados neo-integralistas: a americanófila liberdade de imprensa e a francófila divisão de poderes. Mas com um pouco de sacis, eles conseguirão exterminá-los. 

O Projeto de Lei do Dia do Saci dizia ainda que a comemoração da data irá “fortalecer o processo de consolidação da identidade nacional bem como a autoestima do povo brasileiro”. Está corretíssimo. A autoestima do povo brasileiro não tem nada a ver com o bom andamento da democracia ou com a aplicação de uma penca de valores civilizatórios. A autoestima do povo brasileiro depende do apego nacional ao doentio mito da superioridade moral aborígene, ao nacionalismo fraudulento e ao folclore imbecil.

Mesmo tentando pelo menos fazer parte do Brasil, Sergipe segue o país  sem grande esforço
nesse aspecto.  Desesperado para se segurar em algum símbolo que justifique sua autenticidade – que evidentemente, não existe –, o estado é capaz até de financiar o folclore para garantir que ele exista. São as caceteiras de sei lá o quê? Tome dinheiro do governo. São os caboclinhos de sei lá o quê? Tome dinheiro do governo. São as rainhas de reisado de sei lá onde? Tome dinheiro do governo. Existam, por favor. Sem vocês, não temos a autenticidade acadêmica que justifica o excelso discurso de “minha rua é a mais bonita”.

Comemorar o Halloween é agir de modo contrário a tudo isso. Porque comemorar o Halloween é negar o saci. Negar o saci é negar o artificialismo imbecilizante do ultranacionalismo brasileiro. Negar a imbecilidade brasileira é negar Aldo Rebelo e Angela Guadagnin. Que deveriam, inclusive, agradecer por termos uma geração inteira educada pelo civilizado Halloween americano. Se fôssemos todos educados pelo saci, aprontaríamos com eles primeiro. E ainda esperaríamos, serelepes, um docinho.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

BELIVALDO, O TADINHO

"Belivaldo Chagas é o grande saco de pancadas da política sergipana. Toda vez que ele leva um cascudo das circunstâncias, aparece um mané logo atrás para aplicar-lhe mais uma bordoada de brinde. Susana Azevedo aplicou-lhe um nocaute técnico por 13 a 9 na votação para Conselheiro do TCE. Mas o pior estava por vir."

Fica assim não. Depois piora
O secretário de Estado da Educação, Belivaldo Chagas, estabeleceu uma meta em sua vida política: se livrar da Secretaria de Estado da Educação. Para se livrar da Secretaria de Estado da Educação, ele faria qualquer coisa. Até mesmo participar de um dos mais obscenos e caudilhistas processos de seleção da atual estrutura política nacional: a escolha de conselheiro para um Tribunal de Contas do Estado. Então Déda acabou. As chances de Belivaldo ser escolhido diminuíram fragorosamente. Quando Belivaldo se viu entre um governo arrasado politicamente de um lado e uma secretaria arrasada estruturalmente de outro, seu desejo de cair fora aumentou desesperadamente. Suas chances já não importavam. O que importava era o sono tranquilo de quem, pelo menos, tentou

Belivaldo esteve certo o tempo inteiro. Abandonar a Secretaria de Estado da Educação é a melhor coisa que alguém pode fazer por Sergipe. Se Sergipe é o estado que mais se gaba pelo seu pioneirismo em certas áreas – devido a algumas facilidades infraestruturais e comunicativas –, deveria finalmente fazer algo de aproveitável e inovador e entregar toda a educação à iniciativa privada. Não são os péssimos números do IDEB que fundamentam isso. São os graciosos rabiscos de “lave-me, estou presizando” nos pára-brisas dos carros dos desleixados professores da Universidade Tiradentes. São as dancinhas mal ensaiadas dos estudantes durante festinhas de grêmios estudantis. São os discursos em defesa das cotas para estudantes do ensino público. São as notícias revigorantes do site da Secretaria de Educação.

O site da Secretaria de Educação não se contenta em obedecer ao princípio constitucional da publicidade dos atos governamentais. Ele também passou a ser o grande oráculo do governo. Com os olhos no futuro, ele anuncia que “investimentos de mais de R$ 44 milhões do Proinveste [sic] vão revolucionar a educação profissional de Sergipe”. No universo do departamento de comunicação da Seed, o Proinvest já foi aprovado e investido. Só falta saber o que anda sendo feito com os recursos que o governo já tem.

Não é preciso ir muito longe para constatar o que vem sendo feito.
A notícia mais relevante divulgada pela Seed nos últimos dias dá conta de que o governo organizou a formatura de 155 alunos de cursos técnicos profissionalizantes. Desses 155 formandos, 111 estavam se formando através de um programa federal. A conjuntura é clara. Além de ser a Rejane Rios do governo dedista, a Secretaria de Educação se priva da preocupação com o ensino para exercer outra função: a de setor de cerimonial de Aloizio Mercadante. 

Comandar uma coisa como essa não deve ser algo recompensador. Recompensador é sair. Se for por cima, melhor. O problema é que Belivaldo Chagas é o grande saco de pancadas da política sergipana. Toda vez que ele leva um cascudo das circunstâncias, aparece um mané logo atrás para descer-lhe mais uma bordoada de brinde. Nesta terça-feira, Susana Azevedo aplicou-lhe um nocaute técnico por 13 a 9 na votação para Conselheiro do TCE. Mas o pior estava por vir. Cinco minutos depois, o governador tuiteiro resolveu fazer-lhe uma espécie de saudação. “O TCE acaba de perder um grande Conselheiro, mas o Governo continuará contando com um excepcional Secretário de Educação: Abração, Belivaldo!”

Tudo o que Belivaldo queria era dormir tranquilo por ter tentado sair. Agora, irá dormir lembrando o buraco para onde
terá de voltar.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

AS IRMÃS FRANCISCANAS DE SÃO MARCELO

"Assim como Jacques Haddad, o governador continuou com seus afazeres mesmo sob a opressão de uma doença. As irmãs franciscanas da Santa Cruz do Líbano devem ter admirado profundamente o desprendimento de seu mestre, mas prosseguiram seu trabalho. As irmãs franciscanas da São Marcelo, por outro lado, usam seu trabalho para aproximar o governador do Vaticano."

Jacques Ghazir Haddad foi um frade libanês morto em 1954. Durante sua vida, fundou hospitais, abrigos e casas de assistência social. Em 1920, criou a ordem das Irmãs Franciscanas da Santa Cruz do Líbano. Uma de suas biografias exalta-o como um sujeito incansável, que mesmo acometido de cegueira e leucemia, nunca interrompeu seus trabalhos de amparo aos pobres, doentes, idosos e sem-teto. Em 1979, um processo a favor de sua beatificação foi instaurado no Vaticano. Em 2008, ele foi finalmente reconhecido beato. Ser beato não significa ser santo. Mas significa estar na lista de espera para sê-lo.

Fernando Haddad, prefeito eleito de São Paulo, possui ascendência libanesa e sobrenome homônimo ao do frade. Mas apesar de ser um quadro do PT com grandes chances de ser beatificado e canonizado pelo diretório nacional do partido, tem muito menos em comum com Jacques Haddad do que Marcelo Déda. Por uma razão simples. Assim como Jacques Haddad, Déda tem em seu auxílio sua própria ordem das Irmãs Franciscanas da Santa Cruz do Líbano. É a ordem das Irmãs Franciscanas de São Marcelo.

A ordem das Irmãs Franciscanas de São Marcelo realiza trabalhos de assistência aos pobres desinformados e intelectualmente oprimidos. Seu objetivo, porém, é o inverso de sua símile libanesa: enquanto a estrangeira partia da assistência social para uma consequente reverência ao seu tutor, a ordem franciscana local parte da reverência ao seu tutor para alcançar alguma espécie ainda desconhecida de assistência.

Como toda ordem franciscana, a ordem de São Marcelo também faz voto de pobreza. Suas privações incluem a negação absoluta de valores como discernimento, interpretação crítica e avaliação razoável da realidade. A pregação das irmãs franciscanas, entretanto, prescinde do expediente da peregrinação. Seu método é o da disseminação por meios de massa. Seus canais preferidos, colunas políticas de jornais impressos locais e portais de notícias.

As irmãs franciscanas de São Marcelo são caracterizadas por uma certa aflição. Ao contrário de suas correspondentes orientais, elas querem ver seu magnânimo líder beatificado imediatamente. Se Jacques Haddad teve de aguardar 25 anos depois de morto para conseguir um processo de beatificação no Vaticano, Marcelo Déda já teve seu processo enviado no último sábado. A emissão dos protocolos foi confirmada pelo texto em primeira pessoa “Déda e a voz da alma”, de autoria de uma das irmãs franciscanas mais carolas da ordem: Cláudio Nunes. No emocionado depoimento, Déda transmuta-se de simples governador adoecido a mártir superior. Um mártir que ascenderá com sua doença ao panteão auriverde dos heróis nativos, enrolado na bandeira de Sergipe e vociferando, em dialeto Tupinambá, alguma coisa que a Secom enfeitou depois e Eugênio Nascimento reproduziu na íntegra.

Assim como Jacques Haddad, o governador continuou com seus afazeres mesmo sob a opressão de uma doença. As irmãs franciscanas da Santa Cruz do Líbano devem ter admirado profundamente o desprendimento de seu mestre, mas prosseguiram seu trabalho. As irmãs franciscanas da São Marcelo, por outro lado, usam seu trabalho para aproximar o governador do Vaticano.

A imprensa sergipana é uma piada. Ser piada não significa ser farsa. Mas é estar na lista de espera para sê-la.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O ESCURINHO E A BELLE ÉPOQUE

"O Nordeste continua agrícola. O Nordeste continua mal escolarizado. O Nordeste continua pobre. O Nordeste continua nordestino. No meio de minha pesquisa, veio um apagão. No meio do apagão, um vôlei de verborragia entre nordestinos e sudestinos. Depois do apagão, uma luz. A única coisa que realmente mudou no Nordeste foi aquilo que nem o IBGE nem a Teoria do Caos tentaram explicar. O nordestino está menos irreverente. O nordestino está mais ufanista. O nordestino está mais chato. "

Um dos vários nus artísticos que fiz durante o apagão

A Teoria do Caos é um importante pilar da ciência contemporânea. Um outro parece  ser o site do IBGE. Um dos objetivos da Teoria do Caos é depreender a complexidade de alguns fenômenos a partir de fórmulas matemáticas. O objetivo do site do IBGE é usar a complexidade de tabelas para convencer o internauta de que o Brasil é um caos. Enquanto os outros sites se esforçam para que o usuário permaneça, o site do IBGE se esforça para que o usuário saia e vá fazer algo melhor. É um esforço nobre. Mas como clicador compulsivo, não me abati. Continuei no caos do site do IBGE.

Vi que não há grandes novidades no Censo 2010. O Nordeste continua agrícola. O Nordeste continua mal escolarizado. O Nordeste continua pobre. O Nordeste continua nordestino. No meio de minha pesquisa, veio um apagão. No meio do apagão, um vôlei de verborragia entre nordestinos e sudestinos. Depois do apagão, uma luz. A única coisa que realmente mudou no Nordeste foi aquilo que nem o IBGE nem a Teoria do Caos tentaram explicar. O nordestino está menos irreverente. O nordestino está mais ufanista. O nordestino está mais chato.

Rir da própria miséria é o grande mote dos sobreviventes. Os índices do IBGE apontam que o Nordeste continua terra de sobreviventes, embora o Norte já esteja se assentando melhor no posto de pior lugar do país. Os nordestinos das redes sociais, entretanto, discordam. Para eles, o nordeste é a Babilônia. Não tem ninguém sobrevivendo aqui. Estão todos de férias em Fortaleza. Por isso, acabou a brincadeira. Ninguém está autorizado a fazer piada sobre o Nordeste. O Nordeste dos tuiteiros virou uma nação autônoma de avanço, felicidade, tomadas de Juliana Paes nua em Ilhéus e reportagens sobre tubarões em Fernando de Noronha.

Quando o Nordeste começa a se sentir uma nação autônoma, é hora de se preocupar. Quer dizer que ainda não sabemos muito bem o que significamos. É uma das disfunções cognitivas do ufanismo imbecil. Ser ufanista é considerar que as qualidades são tão superiores aos defeitos que chegam, até, a anulá-los. Ser imbecil é ter coragem de emitir qualquer pensamento posterior a esse estado de nulidade crítica. Como pedir mais respeito.

Acontece que o Nordeste é só uma das piores partes de um país que nunca esteve muito bem. Se estivesse sozinho, estaria arruinado. Poderíamos acabar governados por José Sarney. Não que Dilma seja melhor do que Sarney seria. Mas ela possui uma vantagem importante: tem mais estados para governar atabalhoadamente. Ao invés de ficar mais uma semana em Salvador para pedir votos para um dilmista local, ela tem que ir correndo pra São Paulo para pedir votos para outro dilmista local. Estamos salvos. 
Nu frontal
Como o Nordeste não é uma nação autônoma, morde o patrimônio nacional. O patrimônio nacional é gerado, em grande parte, pelo Sudeste. Eles não costumam ser muito bons de piada. Também são péssimos em música. Mas são bons de trabalho e de tomar emprego. No meio do caótico site do IBGE, constata-se que Sergipe, conhecida rota de fuga dos baianos, tem 79.303 baianos e 159. 554 paulistas. Já vi baiano assaltando sergipanos. Já vi baiano pedindo esmola. Já vi baiano embaixo da ponte. Não vi nenhum paulista nem assaltando, nem pedindo esmola nem embaixo da ponte. 

Há algum tempo, o máximo que o Nordeste conseguia era gerar bons comediantes. De repente surgiu a internet, os apagões e os bolsa-esmola. O Nordeste alcançou, pelos discursos tuiteiros, sua belle époque de prosperidade com direito a algum patrulhamento do senso de humor. No site do IBGE, porém, o Nordeste não mudou muito: continua o mesmo fenômeno sob números parecidos. No caos das redes sociais, quem anda mostrando que mudou foi o nordestino. Antes, ele não sabia de nada e usava o humor como escudo contra quem o desmerecia.  Hoje, ele acha que sabe alguma coisa e usa o ufanismo imbecil enquanto lhe levam o emprego. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

PROINVEST É A IMPRENSA QUE O PARIU

"Façamos um joguinho. O comentarista que amanhecer os próximos dias pregando republicanismo e bom-senso aos parlamentares ganhará o troféu 'Secom de difusionismo em prol da pressão política governista e da falta de assunto'. O comentarista que amanhecer os próximos dias com novas declarações de Jackson Barreto (...) ganhará um telefonema de Expedita Ferreira."
Se o Proinvest aparecer mais uma vez em alguma manchete, telefonarei imediatamente pra filha de Lampião, Expedita Ferreira. Como se sabe, Expedita Ferreira está determinada a extinguir da face da terra – por meios jurídicos – um livro que acusa Lampião de ter sido gay. Não conseguiu extinguir o livreco nem da face de Salvador. Mas só com a ajuda de sua determinação de extinguir coisas conseguirei eliminar da face dos noticiários sergipanos – por qualquer meio – matérias que tragam Proinvest ou declarações de Jackson Barreto.

O Proinvest é o tema de verão da imprensa pateta. O que significa que a imprensa pateta e o governo pateta e desesperado, afinadinhos, estão em coito explícito. O problema é que é um coito com clímax privado. Um coito em que quem goza é quem está filmando: os Amorim Brothers. Enquanto os títeres da dupla se divertem nas comissões da Assembleia jogando Angry Haddad com o site da Secretaria do Tesouro Nacional minimizado, os noticiosos locais mastigam caninamente a ração distribuída pelo Departamento de Alisamento de Pentelho oficial. A dieta é simples. Meia tigela de “esses recursos são fundamentais”. Um tantinho de “me sacrificarei pelo estado”. Outro tantinho de “as criancinhas estão esperando a liberação”. Outro tantinho de “bora, porra, o BNDES tá no meu cangote”.

Quem não acompanha nada vive na sábia paz de sua ignorância. Quem tenta acompanhar, como eu, passa maus bocados. Ando tendo alucinações. A manchete de ontem do site do Estadão trazia “Haddad tem 49% e Serra 36% em São Paulo, aponta Ibope”. Ao invés disso, vi “Proinvest tem 49% de chance de ser aprovado se Jackson aparecer 36% menos, aponta Oliveira Jr”. A manchete da Folha de São Paulo trazia “Mais próximas dos consumidores, Coca-Cola e Omo são as mais lembradas”. Ao invés disso, vi “Mais próximos do Proinvest, Piauí e Roraima zombam de Sergipe”. O site do Jornal do Brasil trazia “STF condena Marcos Valério a 40 anos de prisão”. Ao invés disso, vi “Imprensa sergipana condena leitores a mais 40 manchetes sobre Proinvest”. O Terra trazia “Para Haddad, vantagem sobre Serra em pesquisa ‘não é confortável’”. Ao invés disso, vi “Para Amorim, vantagem humilhante sobre Déda ‘não foi João que fez’”.

Não existe solução para isso. Quando não existe solução, o jeito é se divertir. Façamos um joguinho. O comentarista que amanhecer os próximos dias pregando republicanismo e bom-senso aos parlamentares ganhará o troféu “Secom de difusionismo em prol da pressão política governista e da falta de assunto”. O comentarista que amanhecer os próximos dias com novas declarações de Jackson Barreto e de secretários de Estado se borrando diante do 31 de janeiro – prazo final determinado pelo BNDES e data do apocalipse particular de Sergipe – ganhará um telefonema de Expedita Ferreira. O comentarista que entender que suítes jornalísticas pressupõem acréscimo de fatos – mesmo na realidade subterrânea de Sergipe – que pegue a câmera aqui um estante. A pornochanchada tá boa. Mas preciso ir ali mudar de assunto. E encomendar um livro de Lampião. Dizem que só tem em Salvador.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

COCAR DE BURRO EM VOCÊS

"Esse negócio de suicídio pode acontecer com um índio ou outro que teve acesso a Byron e Goethe. Jamais, porém, se transformará em uma manobra de massa. Primeiro, porque índio nunca se lixou pra cultura. Quem disse ao índio o que é cultura foi o homem branco. (...) E os índios, que só gostavam de cachaça e quinquilharia, nunca se animaram muito com ideias de branco. "


Um bando de índios do Mato Grosso do Sul decidiu realizar uma gloriosa sessão de suicídio em massa. Parece que estão revoltados com uma ordem de despejo da Justiça Federal, que estaria favorecendo interesses do agronegócio. Quem espalhou isso foi o jornalista Bob Fernandes, do Terra. Não costumo dar crédito a quase nada do que Bob Fernandes diz. Mas uma das suas queixas estava coberta de razão: ninguém da grande imprensa deu a mínima para o assunto. Não há nada na Folha. Não há nada no Globo. Não há nada no Estadão. Não há nada no Correio Braziliense. Não há nada no UOL. Não há nada no IG. Quando algo não sai na grande imprensa, é porque deve ser importante. O que atenta contra a relevância do assunto é ter saído em Bob Fernandes. E em alguns sites sergipanos. Para piorar, o suicídio em massa dos índios ganhou compartilhamento em massa nas redes sociais.

Na verdade, o "fato" não tem nada de importante. Ele é, com muito esforço, só curioso. Curioso porque o primeiro lugar a desmentir a menor possibilidade de suicídio em massa é a “cartinha-testamento” que teria sido deixada pelos índios. A cartinha é assinada pela aldeia. Pelo tom panfletário, não deve ter sido escrita pela pena semianalfabeta de algum “nativo”, mas pela pena gramsciana de algum espertinho com ares de assessor de imprensa da diversidade étnica. Lá, há apenas abuso de retórica antropológica e chavões para fortalecer a ligação do índio com a terra. É mais semiótica que gilete nos pulsos. 

Como o pessoal das redes sociais é bom em várias coisas, menos em interpretação textual, espalha-se por aí que o trecho “nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados” quer dizer que há um bando de gente querendo se matar. Ou que o trecho “comemos comida uma vez por dia” quer dizer que eles se sacrificarão. No mínimo, as belas índias sul mato-grossenses ficarão ainda mais esbeltas.

O segundo lugar a desmentir a menor possibilidade de suicídio em massa foi o próprio site da Funai. Isso quatro dias antes dos esclarecimentos que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) foi obrigado a fazer. Em uma espécie de nota sobre os últimos incidentes no Mato Grosso do Sul, os indigenistas estatais dizem que “de acordo com lideranças indígenas ouvidas pela Coordenação Regional da Funai em Ponta Porã, não há intenção de suicídio, conforme anunciado pela imprensa. O que há é a determinação de não se deixar o local que consideram sua terra tradicional”. 

Eu sei, o site da Funai não é coisa em que se pode confiar. A página principal estampa uma matéria sobre as comemorações dos 20 anos da reserva “ianomâmi”, uma tribo que, segundo levantamentos militares, foi criada pela imprensa. Mas a pouca credibilidade do site da Funai é suficiente para desmentir qualquer coisa de Bob Fernandes. Ou de sites sergipanos. Ou de redes sociais.

A questão do suicídio em massa é apenas a mais ridícula. A outra é a ausência absoluta do outro lado. Até o momento, nenhum dos sites e blogs engajadinhos que disponibilizaram apressadamente o armagedon indigenista de Bob Fernandes procurou saber o que a Justiça Federal e os malvados fazendeiros têm a dizer de tudo isso. Tem fala de índia que não conseguia emendar um frase na outra. Mas nada do fazendeiro. Tem fala de índio com sotaque de São Carlos. Mas nada do jagunço assassino. Tem fala de índio que parece ter memorizado mal o que disseram pra ele reproduzir. Mas nada do juiz. Eles certamente existem. Eles certamente estão por aí. Mas nem em “Pocahontas” o público foi privado das opiniões do explorador. Bob Fernandes e seus fãs, por sua vez, resolveram escondê-las no mesmo lugar em que está a verdade sobre os ianomâmis.

Esse negócio de suicídio pode acontecer com um índio ou outro que teve acesso a Byron e Goethe. Jamais, porém, se transformará em uma manobra de massa. Primeiro, porque índio nunca se lixou pra cultura. Quem disse ao índio o que é cultura foi o homem branco. Quem disse ao índio que ele deveria lutar por ela foi o homem branco. Quem disse ao índio o que era reserva foi o homem branco. E os índios, que só gostavam de cachaça e quinquilharia, nunca se animaram muito com ideias de branco. 

A ideia de sacrifício em massa como ferramenta de pressão política não tem nada a ver com pessoas que, mesmo catequizadas e barbaramente escolarizadas, não sabem diferenciar plural de singular. Há gente mais perversa e temente à justiça - especificamente a federal - por trás disso aí. Gente que pode não conseguir garantir a terra dos “nativos” com sotaque de São Carlos. Mas que conseguiu, desde já, garantir um cocar de burro em cada um que deu crédito a esse furdunço.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

AS PASTILHAS DA INDEPENDÊNCIA


(...) o discurso de Antônio para vender pastilhas era envolvente e possuía um ponto alto: a maior dificuldade da Efraim era não receber nenhuma espécie de apoio nem de governo nem de prefeitura. Não sei se isso é verdade. (...) No entanto, foi exatamente ali que levei a mão à carteira. Eu estava quase convencido da idoneidade que circundava a Efraim.
Antônio é um colaborador da Efraim. Efraim é uma organização não-governamental que se ocupa de recuperar viciados em drogas. Como todos os colaboradores, Antônio é um ex-viciado em drogas. Como todos os colaboradores, ele subiu no ônibus pela porta do meio para vender pastilhas em embalagens estranhas, que lembravam pacotes de cigarro. Em seu discurso, Antônio disse que o objetivo da Efraim era fornecer apoio a pessoas as quais a sociedade não dava mais crédito. Pessoas que não são mais dignas do menor crédito, ao meu ver, são a quase totalidade da classe jornalística local, a absoluta totalidade da classe política em geral e a absoluta totalidade da zaga do Palmeiras. Um lugar que fornece apoio a este tipo de gente não merece nenhum tipo de subsídio. Para meu alívio, Antônio não se referiu a nenhum deles.

Ao contrário do último discurso de Valadares a respeito do Proinvest, o discurso de Antônio para vender pastilhas era envolvente e possuía um ponto alto: a maior dificuldade da Efraim era não receber nenhuma espécie de apoio nem de governo nem de prefeitura. Não sei se isso é verdade. Mas nessa hora, a menininha virou a cara. A velhinha não quis nem saber. O cobrador fez um muxoxo. O sujeito com cara de professor de sociologia fechou a bolsa. O próprio Antônio se abateu. No entanto, foi exatamente ali que levei a mão à carteira. Eu estava quase convencido da idoneidade que circundava a Efraim. Só não dei nada porque não gosto de pastilha. Principalmente se vierem em embalagens semelhantes às de cigarro.

A Efraim não recebe apoio governamental. Isso significa que ela não está sujeita ao carnívoro sistema de doutrinação e dominação política explicitados por José Genoíno em sua assombrosa entrevista ao Terra Magazine. Significa que ela está distante do expediente de aparelhamento que caracteriza a relação do governo com ONGs. Significa que ela não será usada como ferramenta para compensar a anemia política do governo dedista. Significa que ela não será alvo do criticismo barato e feito às pressas da atual oposição. Significa que ela não será citada nos cumprimentos matutinos que lambedores testiculares do governismo fazem entre si em redes sociais.

Não comprar a pastilha que Antônio foi vender no ônibus foi o meu maior erro em todo o ano. Tudo o que está distante da atual classe governista, que aplaude e compactua coisas como Mensalão e reeleição de Hugo Chávez, e o oposicionismo, que sofre de anencefalia programática e ausência de estratégia, merece respeito e algum subsídio. Da próxima vez, comprarei todas as pastilhas que Antônio tiver à mão. Porque, pelo que ele disse, a Efraim presta apoio a pessoas que a sociedade recusa em aceitar. Muito melhor do que prestar apoio às que ela aceita.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

GRATUIDADE GOVERNISTA: QUEM PAGA?

“Cláudio Nunes é um colunista local. A única vantagem de ler sua coluna é a inofensiva disponibilidade gratuita. Mas isso foi até ontem. A partir de hoje, estabeleço que a gratuidade de ler Cláudio Nunes é a única gratuidade que gera prejuízo. Prejuízo intelectual.”


Quero mais leitores. Mas não sou bom nisso. Se realmente fosse, colocaria um link do Ego no meio de uma foto da bunda de Andressa Urach. Mas penso nisso amanhã. Hoje, considero-me de folga. Não estou interessado em leitor algum. Para ter certeza de que ninguém virá aqui, tratarei de coisas sem importância. Proinvest. Governador chorão. Colunistas locais. Adeus pra você que se entediou.

Cláudio Nunes é um colunista local. A única vantagem de ler sua coluna é a inofensiva disponibilidade gratuita. Mas isso foi até ontem. A partir de hoje, estabeleço que a gratuidade de ler Cláudio Nunes é a única gratuidade que gera prejuízo. Prejuízo intelectual. Seu último texto, “O verdadeiro líder”, é o retrato típico da absoluta miséria analítica que flagela o jornalismo sergipano, alienígena deliberado de sua própria realidade – seja política, seja econômica, seja cultural, seja comunicacional, seja zoológica, seja proctológica, seja zoológico-partidária, seja comunicacional-proctológica.

“O verdadeiro líder” descreve Marcelo Déda como um ente supremo. Mais mil toques e teríamos um governador imaterial. No aguardado fim do texto, quase somos obrigados a ser gratos pela liderança dediana, tão à frente de nossa insignificância moral. Tudo bem até aqui. Nunca se espera menos do que isso em Cláudio Nunes. Até o típico e enjoado “continuarei criticando o governador” está lá, fazendo todos se sentirem em casa.

O problema é que a elevação de Marcelo Déda a um Churchill do Coité decorre de sua postura em uma circunstância particular: o já enfadonho mimimi do Proinvest. Pelo que consta, o mimimi do Proinvest não revelou o melhor de ninguém. O mimimi do Proinvest só revelou que a Assembleia, de novo, atira o pauzinho para o governo ir buscar no mato. Quando uma Assembleia faz isso com um governo, podemos dizer que o governador é muitas coisas. Menos “um verdadeiro líder”.


Cláudio Nunes louva a atitude do governador de fazer apelos políticos no meio de um tratamento de saúde: carimbo de líder nele. Estranho. Para um sujeito interromper um tratamento de saúde, é necessário estar desesperado para fazer outra coisa. Quem está desesperado para fazer outra coisa está com medo. Quem está com medo faz qualquer coisa para se afastar do que lhe dá medo. 


O medo de Déda é levar mais um chute de ripa dos irmãos Amorim. Para fugir disso, ele faz qualquer coisa. Até mesmo insinuar sua fragilidade como lubrificante de opinião pública. Até mesmo acionar o Sistema Alvoroço de Publieditoriais do Departamento de Alisamento de Pentelho do Governo (o SAP do DAP). Não há nada de errado nisso. Sergipano é broco. A estratégia está correta. Mas quando um governador precisa assediar a opinião pública para pressionar Assembleia, está fraco e exposto. Muito longe da sólida dignidade articuladora de um “verdadeiro líder”. 

All together now

Cláudio Nunes aplaude a “humildade” do governador e a vincula a um pendor para a liderança alexandrina. É claro que ele se refere a uma humildade circunstancial. Pelo que consta, Déda é famoso pelo elitismo universitário quase enrustido, que o faz empurrar lideranças municipais para o café com biscoito duro da Casa Civil. Não que ele esteja errado. Não há nada pior do que uma liderança municipal sergipana na sua sala.

A questão é que humildade e diálogo não são do feitio político do governador. Se o seu tom é mais brando, é porque está em desvantagem. Se sua postura é de reverência, é porque a coisa enfeiou. Se sua mão está estendida, é porque lhe tomaram o porrete. Quem consegue chegar a esse nível com a máquina administrativa no quintal pode ser muitas coisas. Menos um “verdadeiro líder”.

Lá pelas tantas, Cláudio Nunes admite que ‘O verdadeiro líder’ é uma rapadura congelada. Para amenizar, pousa a mão no ombro do leitor, incitando-o a suspender sua provável incredulidade e deixar de lado “todo o sentimento político e partidário”. Complicado isso aí. Se o leitor de Cláudio Nunes suspender “todo o sentimento político e partidário”, nunca mais volta lá. Porque o que justifica a leitura de coisas como ‘O verdadeiro líder’ é justamente o apelo ao sentimento, à sensação, à ausência de discernimento, à suspensão do raciocínio, à atração pela personificação quase getulista e pela retórica do adesismo. Quando se abre mão disso, só sobra a gratuidade. No meu caso, até ontem.

O jornalismo sergipano é um negócio realmente mal prestigiado. Só sendo tão mal prestigiado para permitir o desenvolvimento de um governismo tão criativo. Porque só no realismo fantástico que se concebe que o governo está por cima mesmo sendo elemento passivo. Que está mandando mesmo abanando o rabinho. Que está falando grosso mesmo quando se assusta com CPIs dos bajuladores, da impressora quebrada, do misto com suco, do tuiteiro fuleiro.

Quem precisa disso. Preciso mesmo é de mais fotos de Andressa Urach.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A PISADINHA DO PISO

 "Agora jornalistas locais, off-lines e onlines, estão propondo sair às ruas em manifestação por aumento salarial. Não conseguirão sequer honrosas porretadas da polícia. Em manifestações de rua, a polícia só mira em quem ganha o suficiente pra conseguir pagar fiança." 


Sergipe é um buraco. Mal tem imprensa. Mal tem literatura. Mal tem televisão. Dizem que há alguns poetas. Devem ser os do Mercado Central. Dizem que há alguns cronistas. Nem quero ver a lista. Dizem que há alguns cineastas. Devem ter vindo da Bahia.

Os analfabetos, quando não estão fazendo segurança em shoppings, fazem rebeliões em presídios de segurança mínima. Os alfabetizados off-line, aqueles que não sabem usar internet, usam as três letras que conhecem para reservar ingressos para shows de Asa de Águia e Parangolé. Os alfabetizados online, aqueles que sabem usar internet, ou estão alisando os pentelhos de algum político ou citando grandes pensadores como Kennedy Alencar e Paulo César Pereio. Agora jornalistas locais, off-lines e onlines, estão propondo sair às ruas em manifestação por aumento salarial. Não conseguirão sequer honrosas porretadas da polícia. Em manifestações de rua, a polícia só mira em quem ganha o suficiente pra conseguir pagar fiança.

Não há segredo na arte de pedir um aumentozinho. Pedir um aumentozinho é mostrar serviço com uma mão e estender a outra. O problema é mostrar serviço em um mercado jornalístico tão inóspito quanto o sergipano. Ninguém lê jornal em Sergipe. Como ninguém lê, não há feedback. Como não há feedback, não há melhora. Como não há melhora, o sistema de produção se perpetua caduco, com seus brutais atentados à lógica, à língua portuguesa, à razoabilidade, à análise. Mas querer tudo isso em um jornal sergipano é pedir demais. Por que? Porque Sergipe é um buraco. Mal tem imprensa. Mal tem literatura. Mal tem televisão.

Não ler jornal em Sergipe é algo apontado pela classe falante local como um fenômeno de ignorância em massa. Não é não. Não ler jornal em Sergipe é um encorajador fenômeno de conscientização em massa. A população sergipana já deve ter entendido tudo. Se a teoria da bala mágica preconiza que há um projétil inexorável de conteúdo em direção à audiência, o sergipano é o Neo que desvia dele. Se a teoria Agenda Setting preconiza que os jornais definem o que será debatido, o sergipano, este subversivo, se recusa a debater o que quer que seja. O sergipano descobriu que jornal serve pra várias coisas. Menos pra ler.

O fracasso retumbante do jornalismo sergipano não é uma demonstração de nossa anemia intelectual. É o contrário. Mostra que o público sergipano ainda tem jeito. Que sabe otimizar seu tempo. Ao invés de atrair catarata com letrinhas miúdas e demoradas sobre joguinhos de poder e exibicionismo, ele espera ansioso pelo Proinvest.

De acordo com o Departamento de Alisamento de Pentelho do Governo (DAP), o Proinvest é um programa federal que trará mais de R$ 700 milhões em empréstimos para Sergipe. Os jornalistas sergipanos prometem ir às ruas para exigir cerca de R$1,2 mil. Muito melhor do que um maio de 68 em frente à Huteba, portanto, é ficar por perto quando o Proinvest chegar. Ele não vai tirar Sergipe do buraco. Mas pode evitar a vergonhosa passeata de uma gente que, sem serviço pra mostrar, não tem como estender a mão.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

APOCALYPSE ALAGOAS

Nova categoria: compra voto, mas diz

Déda sabe das coisas. Ele sabe que político sergipano não se sensibiliza com elogios. Não por excesso de modéstia. Político sergipano não se sensibiliza com elogios porque sabe que não há predicativo positivo que descreva seu perfil e sua trajetória. A única forma de valorizar um político sergipano é esculhambando os dos outros estados. Foi o que Déda fez ao lançar ontem a categoria literária ‘online aphorisms’. Ele esculhambou os políticos de Alagoas. Disse que há um consenso no país de que eles não sabem superar "questiúnculas partidárias". Ou seja: chamou-os de mesquinhos.

Quando um governador comete a indelicadeza de elogiar um político local, vou imediatamente atrás da ficha criminal e do passado sujo do sujeito. Quando um governador presta o serviço de esculhambar políticos de outros estados, tomo como verdade. Me acomodo. Não quero saber, deve ser isso mesmo. No caso de Alagoas, Déda está geograficamente perto demais, mas politicamente longe demais para ser afetado pela repercussão do que disse. Ou seja: é uma consideração distanciada. Os políticos de Alagoas devem mesmo ser mesquinhos. Como a mensagem era para os deputados sergipanos, infiro que o termo 'políticos' se referia, na comparação do governador, aos deputados alagoanos.


Mas a internet torna as coisas fáceis demais. Não consegui me livrar da curiosidade de saber qual o problema dos deputados de Alagoas. Entrei no site da Assembleia Legislativa [http://www.ale.al.gov.br/]. Está fora do ar. Em março, ele foi atacado por hackers. Na imprensa online, o legislativo alagoano é invisível. Como não há um site para emitir releases, discursos e repercussão de picuinhas internas, não há assunto. A assembleia legislativa de Alagoas, atualmente, não é notícia.

Apesar disso, pesquisei e constatei que 2012 foi um ano agitado para a assembleia alagoana. Foi o ano em que estourou um escândalo relativo a um rombo de R$ 300 milhões na folha de pagamentos da Casa. Foi o ano em que o Custe o Que Custar (CQC) descobriu que a sede do legislativo sofria de falta de papel higiênico. Foi o ano em que o deputado estadual Temóteo Correia (DEM) admitiu para o mesmo CQC que comprava votos. Foi o ano em que o mesmo deputado defendeu o ‘impeachment’ de jornalistas locais. Foi o ano em que os deputados alagoanos derrubaram um veto do governador e aprovaram, para eles mesmos, um reajuste salarial de 108%.

Não vi nada que apontasse que os deputados de Alagoas sejam mesquinhos. Tudo o que levantei apontava que eles são corruptos. Roubam grande, pensam alto, saqueiam com volúpia, com vigor e orgulho. Já os deputados estaduais de Sergipe são, em sua maioria, liderados por um lobista. Saem na mão na saída do elevador. Fazem campanhas eleitorais controversas. São bons de ironia, ruins de projeto. São bons de cutucadas pessoais, ruins de agilidade procedimental. Os deputados estaduais de Sergipe, à luz das circunstâncias, é que são mesquinhos. Ainda bem.

Chamar um deputado alagoano de mesquinho é elogio. Não chamar um deputado sergipano de mesquinho é uma omissão eufêmica. Mas comparar as realidades políticas de Alagoas e Sergipe é a melhor forma de acariciar o ego dos políticos sergipanos enquanto classe. Foi o argumento mais forte da estranha cartinha retalhada do governador. Porque ser Sergipe já é ruim. Mas chegar ao nível de Alagoas exige providências. Custe o que custar.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

PERDOE, TENHO NÃO


Dia do professor. Não tenho maçã para oferecer. Nem amendoim. Nem camisa do Sintese. Nem panegíricos, nem palavras de agradecimento, nem ofensas, nem caminhadas sem roupa pela Hermes Fontes. O máximo que posso fazer por eles é lançar a utopia da privatização da educação. Dilma, Mercadante, Déda, Belivaldo Chagas, quem quer que seja: vendam as escolas. Acabou.

Dilma decidiu consolidar o sistema de cotas para alunos da rede pública nas universidades de uma vez por todas. É o atestado definitivo de que a política de educação foi encerrada
no Brasil. As verbas do Fundeb irão para o Itaquerão do Corinthians. O dinheiro do Ministério da Educação servirá para adiantar as obras da Copa em Recife. As verbas do Fundeb também ajudarão a abafar com propaganda o crescimento do PSB em Pernambuco. O dinheiro do Ministério da Educação também servirá para a nomeação de cargos para os 18 kg que Ronaldo diz que está perdendo em rede nacional.

Com as cotas, o governo admite que desistiu de investir em educação. “É isso. Vocês da rede pública não valem um centavo”, diria Dilma. “São uns perdedores”, diria Mercadante. “Desculpem. Não temos como ajudá-los. Valeu por tudo e até nunca mais”, diriam Déda e Belivaldo Chagas. A decorrência é simples: se o governo não tem como ajudar os estudantes, que entregue a educação a quem pode – a rede privada. E que devolva cada centavo do nosso dinheiro investido nela – que não é muito, mas faria falta.

Em uma solenidade há alguns anos, presenciei o governador Marcelo Déda dizer que sentia orgulho dos aprovados pelo sistema de cotas para alunos da rede pública em Sergipe. Eu não sentiria orgulho dos aprovados. Sentiria vergonha de ser governador. Se estou diante de pessoas que foram empurradas pelo Estado para a cabeceira de um regime meritocrático, me encolho, peço desculpas e digo que isso jamais acontecerá novamente. Digo ainda que farei o possível para que eles entrem pela porta da frente, eliminando quem deveria e dando ao vestibular o desempenho que ele pede. E se sou um governador com ensino superior e ex-aluno de rede pública, ainda complemento: olhem para mim. Eu consegui. 


Fazer parte de uma universidade não é lá grande coisa. No segundo ano, o orgulhoso universitário começa a ficar de saco cheio do despreparo dos professores, do sucateamento das instituições, da preguiça dos servidores e passa a implorar pelo mercado – que irá destruí-lo e idiotizá-lo em menos tempo. Grande coisa é passar no vestibular. Porque passar no vestibular é, de fato, vencer. É marcar o seu próprio gol driblando todo o time adversário. Passar na cota é fazer gol de mão. E impedido.

A educação no Brasil já foi ruim. Aprovaram as cotas. Ela foi pro brejo. Mas antes que as aulas de Epistemologia e Sociologia II se transformem em aulões-show de Geografia para o concurso do Banco do Brasil, a educação precisa ser entregue a quem entende. E hoje quem entende é quem sabe lucrar com ela. O máximo que pode acontecer é a generalização da indústria do vestibular, da corrida desesperada pelo preparo e o fim das carreatas do Sintese. Ou seja, tudo o que o Brasil precisa.

Dia do professor. Não tenho nada pra oferecer. Quem tem é Dilma, Lula, Déda, Belivaldo Chagas. Peçam a eles.

sábado, 13 de outubro de 2012

OS REIS DOS PEREBAS

Renda: R$ 11 e dois vales-transporte

Carivaldo Souza, nosso Ricardo Teixeira a la Jorge Amado, andou dizendo que o futebol sergipano não é decadente. Ele está certo. O futebol sergipano não é decadente. É arrogante. Pensa alto demais. Quer subir à série C. Depois, à série B. Depois, à série A. Entre os mais desequilibrados, há até quem pense em Libertadores.

Essa vibração otimista precisa acabar. Ela é a maior fonte da miserabilidade com que o torcedor olha para si mesmo e para os times locais. Ele acredita que seu time tem chance de ir a algum lugar. Quando a razão dá as caras e ele percebe que não tem chance alguma de nada, exige dos dirigentes dos clubes e da federação medidas para melhorar os times. Mas os dirigentes dos clubes e da federação não têm nada a ver com a qualidade dos times. Eles têm a ver com a qualidade dos adversários. Alterar a qualidade dos adversários significa mexer no calendário, e isso significa levar em conta a informação mais importante que existe sobre o futebol sergipano: ele é muito, muito ruim.

No Nordeste, o futebol sergipano só possui mais expressividade que o do Piauí. Como não tem nada no Piauí além de focos periódicos de escândalos políticos e repórteres atrás de prêmios em cima da estética da miséria, é mais razoável dizer que o futebol sergipano é o pior do Nordeste. Não sou eu quem diz. É o ranking da CBF.

ATENÇÃO: EXCESSO DE NÚMEROS

Se distinguirmos as melhores equipes de cada estado, constataremos que Sergipe, o estado, demora muito para aparecer. O time mais bem colocado da região é o Bahia, em 14º. Em seguida vem o Sport, representando Pernambuco em 17º.  O Ceará fincou seu estado homônimo em 24º. O América, de Natal, é o 29º. O CRB de Alagoas é o 37º. Logo depois disso, é preciso entrar em zonas de pouco oxigênio.

Nas proximidades do fundo do poço está o maranhense Moto Club, saco de pancadas de várias Copas do Brasil, fincado em um já desgostoso 60º. E logo atrás dele o desgraçado Treze da Paraíba, 61º. Só aí temos o primeiro time sergipano no ranking: o Sergipe, em 72º. Um pouco atrás vem o Confiança, em 79º. Ainda mais atrás vem o Itabaiana, em 104º. O melhor resultado do Sergipe em âmbito nacional foi um 23º lugar no Brasileiro da série A de 1983. Desde 1986 o “mais querido” não põe os pés na zona de elite. O Confiança tem uma história ainda mais digna de pena: foi o 26º na série A de 1977, de onde está longe há ainda mais tempo: 28 anos.

Se o futebol sergipano parar de olhar para cima e se voltar para as zonas abissais da qual faz parte, encontrará um paraíso. Porque ruim mesmo deve ser gostar de futebol em Roraima, Rondônia, Acre, Amapá, Tocantins e Mato Grosso do Sul. O melhor time de Rondônia é o Ji-Paraná, na 133ª colocação. No Amapá, a superpotência é o Ypiranga, o felizardo da 166ª posição. No Mato Grosso do Sul, quem manda é o medonho Ubiratan, 193º. Em Tocantins, o supercampeão é o Araguaína, na invisível 206ª posição. Em Roraima, o melhor time é o Baré, 221º. Finalmente, o pior dentre os melhores times estaduais é o Atlético Acreano, logo atrás do Baré. O Atlético Acreano é conhecido como Galo Carijó. Em 60 anos de existência, ganhou o campeonato estadual seis vezes. E não faz isso há mais de vinte anos.

O Galo Carijó é o adversário ideal para o Sergipe. O Baré deveria ter um amistoso agendado com o Confiança para ontem. Se eu fosse Carivaldo, criava imediatamente uma Copa Sergipe/Rondônia. O futebol sergipano é subprofissional, mesquinho, banido da televisão, mal patrocinado, dirigido por quadrúpedes e instigado por entidades criminosas infiltradas em torcidas. Está na fase ideal, portanto, para pleitear as melhores posições dentre os piores times do país. Chega de sonhar. Precisamos ser os reis de alguma coisa. Precisamos ser os reis dos perebas. 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

BRITTO POETASTRO, BRITTO DEFINITIVO

"O Chalita ligou. Quer citar uma quadrinha sua."




A primeira ocupação que o Wikipédia atribui ao ministro Carlos Ayres de Britto é a de poeta. Quando o Wikipédia define o que uma personalidade faz ou fez,  o mais relevante é justamente o que não está lá. Mas em alguma página da qual jamais me lembrarei está registrado que o Britto poeta já pôs na praça cinco livros. Entre seus versos publicados, há coisas como:

O capital reduz
Homem do povo a animal,
E quando o homem do povo
Se comporta como animal,
O capital exige contra ele


Ou como:

O governo confunde FISCO com confisco.
Até o pôr-do-sol por trás dos prédios incrementa o IPTU


Ou como:

Prenderam Pinochet.
Que bela oportunidade!
O animal cometeu crimes
Contra a humanidade


Quando se desvincula esses versos da figura portentosa de um ministro do Supremo Tribunal Federal, a imagem que se tem deles é a de que foram feitos depois do almoço por um estudante preguiçoso. Quando se vincula esses versos à imagem portentosa de um ministro do Supremo Tribunal Federal, eles ficam ainda piores. Mas é fácil entender porque o Carlos Ayres de Britto poeta é nulo: porque seu esforço intelectual é exaurido em coisas como:

“Sob inspiração patrimonialista – velha, matreira e renitente —, um projeto de poder foi arquitetado. Não um projeto de governo, que é lícito, é quadrienal, é exposto em praça pública, [...] mas um projeto de poder que vai muito além do quadriênio, um projeto quadrienalmente quadruplicado.”

Ou como:

 “É um projeto de poder que, muito mais do que a continuidade administrativa, é seca e rasamente continuísmo governamental. Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia que é a Republica, o republicanismo, que postula a possibilidade de renovação dos quadros dirigentes e equiparação das armas com que se disputa a preferência do voto popular.”

A repercussão do livro ‘Varal de Borboletas’, que o Britto poeta lançou em 2003, deve ter se restringido a entusiastas de poesia caseira da cúpula jurídica sergipana - um grupo que, suspeito, seja pouco superior a zero. Já o seu voto de ontem no Supremo Tribunal Federal, que amarra a indiscutível condenação do pulha “plenipenitenciário” – o nome disso é neologismo – José Dirceu, provocou na imprensa uma reação generalizada de reprovação, desconfiança e até exigência de compromisso do ministro com a origem de sua indicação para o Supremo – o próprio PT.

Britto, o erudito jurista, não tem futuro algum como poeta. Como eu também não tenho, não me envergonho de citá-lo.

Condenaram o Dirceu.
Que bela oportunidade!
O animal cometeu crimes
 - E a imprensa brasileira?
A merda de sempre

O TCE É MEU

Faz de Contas que eu tô lá

Belivaldo Chagas já era. Suzana Azevedo acabou. Quem vai terminar indo para o Tribunal de Contas do Estado sou eu. Sou jornalista, igual a Reinaldo Moura. Nasci em Aracaju, igual a Carlos Pinna. Tenho o que comemorar no dia 29 de maio, igual a Clóvis Barbosa. Me formei pela UFS e sei fazer conta, igual a Carlos Alberto Sobral. Quero distância do governo, como Ulices Andrade. Mas nem tanta assim, como Clóvis Barbosa. Reúno características cruciais de todo mundo. Mas trago um diferencial que os rebaixa imediatamente: tenho menos de trinta e cinco anos.

Ter menos de trinta e cinco anos me retira do carro alegórico das testemunhas oculares da ditadura, dos senadores biônicos, das indicações arbitrárias de fantoches estratégicos sem sutilezas. Por outro lado, ter menos de trinta e cinco anos me permite saber mexer no Youtube. E encontrar a sabatina do senhor Alexandre Bossi durante sua candidatura a conselheiro do Tribunal de Contas de Minas Gerais.

Pelo que consta, Alexandre Bossi foi o primeiro "não-político" do país a se candidatar a uma vaga de conselheiro de um Tribunal de Contas. Servidor de carreira, Bossi não tinha a intenção de se tornar um conselheiro, mas de realizar uma candidatura de protesto. Depois de arremessar no colo dos deputados presentes à sabatina uma citação de Lopes de Sá e um comentário do ministro Joaquim Barbosa sobre o Tribunal de Contas da União – “um cabide de emprego para políticos sem voto e em fim de carreira” -, Bossi anunciou sua desistência e iniciou uma campanha pelo tecnicismo na Corte de Contas.

Não sei como reagiram em Minas Gerais. Sei que, em Sergipe, Bossi seria sutilmente acarinhado com um polpudo cargo de comissão nas profundezas do Estado em troca do fim sumário de sua gritaria. As atuais alianças políticas não estão preparadas para abrir mão de um expediente como as vagas de conselheiro. Porque elas são a grande geladeira de ouro de gente que não aguenta mais a própria sombra na política, mas, por ter estado enterrada nela - e tê-la enterrada em zonas preocupantes -, sabe demais. 

Eu sei o que Alexandre Bossi andou falando por aí. Portanto, à minha maneira, também sei demais. Quero esse cabide de emprego. Só falto ser um político sem voto, em fim de carreira e com mais de trinta e cinco anos.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

GOING BACK TO BAHIA


Quando João Alves e Jackson Barreto sentam suas bundinhas septuagenárias em um mesmo sofá para distribuir amenidades para a imprensa, significa que o assunto eleições 2012 já acabou. É hora de tratar de coisas mais importantes. Complicado é achar algo de importante para se comentar em Sergipe. A acusação dos irmãos Amorim de que a Secretaria de Comunicação do Estado suborna uma rádio para difamá-los? Isso não é notícia. Enquanto não chegarem ao governo, os Amorim acusarão qualquer um de qualquer coisa. Enquanto não sai do governo, a atual Secretaria de Comunicação vai continuar seu esforço de comunicar qualquer coisa, menos o que o governo está fazendo.

A romântica e sutil troca de gentilezas entre Claudio Nunes e Diógenes Brayner? Porre. Mas sintomática. Quando um jornalista é notícia de outro, significa que o repertório de pautas realmente anda no vermelho - o que não é algo pouco recorrente para ambos acima. Quem sabe, então, a festinha particular do Dataform por ter acertado na mosca os números das eleições? Não vale a pena. Mas sejamos solidários. Ainda que a imprensa sergipana há muito tenha privado suas dezenas de leitores de alguma emoção ou surpresa, não tiremos dela o direito de se emocionar e se surpreender consigo mesma.

Talvez o retorno do governador Marcelo Déda ao estado seja algo relevante. Pensando bem, não é. O governador Marcelo Déda só interessa quando é governador. Quando é um personagem magnético do adesismo e da constrangedora bajulação que o cerca durante sua temporada como paciente, a recomendação mais saudável para quem exige pertinências é ignorá-lo completamente.

Sergipe é um estado prolífico em releases, mas está sem notícias. Para dias assim, talvez o mais adequado seja aceitarmos, por 24 horas, nossa condição implícita de quintal da Bahia. Por lá, os assuntos do momento são muito melhores do que os nossos. Estão discutindo em Salvador, por exemplo, o lançamento do novo disco de Ivete Sangalo. Muito melhor do que saber o que Jackson cochichou no ouvido de João Alves. Outra boa da Bahia é a relação de celebridades de terceiro escalão que não se elegeram, como Compadre Washington. Muito mais interessante do que saber o que a Secom vai deixar de fazer amanhã.

Se Sergipe deixasse de lado sua petulância em ser um estado e voltasse ao seio baiano, talvez compartilhássemos de índices socioeconômicos piores. Mas, definitivamente, não precisaríamos aguentar Claudio Nunes, Diógenes Brayner ou as preces pela doença de Déda.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A FESTA DO EXCESSO


 Aracaju teve 404 candidatos a vereador. Isso significa quase 17 pessoas vomitando mesquinharias na televisão para conseguir uma das 24 vagas. O número é o menor entre todos os estados do Nordeste – em Natal, terra do segundo menor, 426 pessoas disputaram traços de tempo na televisão e no rádio; em Salvador, 1166. Como o Nordeste nunca foi referência de nada relativo a avanço, os números de Aracaju continuam vergonhosos.

A concorrência ideal para os candidatos a vereador, aqui, não deveria passar de três. Ao invés de 404 pessoas dizendo asneiras em uma nesga de tempo, teríamos 72. Eles seriam um grupo seis vezes menor, mas com seis vezes mais tempo para convencer o eleitor minimamente atento de que são alfabetizados. Ou de que sabem escrever e fazer conta. Ou de que conhecem pelo menos o bairro que representam. Ou de que têm algumas ideias para o calçamento. Ou de que ficam bem de terno.

A população em massa não sabe pra que serve um vereador. Como os candidatos são parte da população, é muito provável que eles também não saibam. A única alternativa para dar prosseguimento a um processo obrigatório e alienígena a todos é a da troca franca de favores: eu não sei para que você serve, mas sei que vai ganhar muito. Dê cá um pouquinho se quiser entrar.

É uma troca justa. Primeiro, porque os tribunais eleitorais, os primeiros a chatear a população com palavras impronunciáveis e com inalcançável nível de abstração, como democracia e cidadania, não têm a menor ideia do que fazer para explicar a um cidadão o que é, de fato, uma eleição. A única coisa que o cidadão sabe é que ela é obrigatória. Coisas obrigatórias são aborrecidas. E tudo o que é aborrecido fica menos aborrecido quando se dá um jeito de ganhar um dinheirinho com ele. Os brasileiros são meio entediados.

Segundo, os tribunais eleitorais são os primeiros a impedir que os eleitores conheçam efetivamente algum candidato, tornando-os uma massa de desesperados se empurrando na televisão para proferir, em quatorze microssegundos, seu primeiro nome e um número da qual jamais lembraremos. Já que não dá tempo para estabelecer critérios de escolha, que o critério seja o do bolso. Quem oferecer mais leva. A eleição, assim, é o leilão mais rápido e espontâneo da sociedade. É o fastígio do nosso prezado livre comércio.

Lugares muito mais desenvolvidos do que Aracaju no âmbito da proporção vereador/candidato são Cumbe e Itabi. Na vanguarda do estado, os dois microscópicos currais eleitorais tiveram 33 candidatos a vereador pleiteando uma das 9 vagas – cerca de 3,6 candidatos por vaga, índice bem satisfatório. A campanha se deu predominantemente por meio de corpo a corpo em povoados. Quem tinha mais condições fazia algum panfleto. Toinho de Tonho Machante investiu na ausência de erres em sua campanha. Wlisses e Junior de Rapoza investiram na fonética.

Não estive em Cumbe nem em Itabi – e não pretendo estar tão cedo. Mas as maravilhas da matemática permitem inferir que a campanha para vereador foi muito mais interessante por lá do que em Aracaju. Em ambos os municípios, o eleitorado não tinha de escolher entre 404 coitados atrapalhando a programação televisiva. Eles só tinham de aguentar 33 sujeitos e, mesmo assim, ter o prazer de trancar o ferrolho da porta na cara de cada um deles. E tudo isso com um detalhe fundamental: com a perfeita noção do nome, do número e do nível de aborrecimento relativo a cada candidato.

Aracaju deve merecer os vereadores que escolheu. Mas com certeza não merece 404 candidatos. Enquanto os tribunais eleitorais não decidem o que fazer com a festa do excesso que é a eleição - excesso, inclusive, de ignorância - , deixemos analfabetos, iletrados e desesperados de toda a sorte ganharem um negocinho com ela em paz.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

ALTO NÍVEL – DE CHATICE

Debate de televisão não é espaço para discutir propostas. Nem se dá ao luxo de ser um ambiente de reconhecimento precário de alguma ‘verdadeira face’ dos candidatos. É um espetáculo de improviso. Quanto mais baixaria, melhor. Quem tiver mais cartas na manga, que as tire. Que brigue com a apresentadora. Que ridicularize a emissora e as regras. Que mostre em dois minutos de réplica a mesma agressividade e a mesma coerência de discurso com que faz diante de um teleprompter nas gravações de seus idiotizantes programas eleitorais.

Seguem algumas observações sobre o debate entre os candidatos a prefeito realizado pela TV Sergipe (4 de outubro). 
Ma Oi, vamo girar a roda, Lombardi

ALMEIDA LIMA
Em uma pantomima de autocomiseração, desistiu da candidatura em pleno ar. Mas Almeida Lima é um homem da Renascença: foi da filosofia política à ficção científica. Distribuiu utopias. Apontou o dedo para latifundiários urbanos. Propôs um Big Bang político para Sergipe. Invocou-o sessenta e duas vezes sob a alcunha de “Nova Ordem Política”. Engenhou uma usina de lixo digna de Mad Max 3. Prometeu, com ironia, um Veículo Leve sobre as Águas e sobre o Ar. Chamou atenção para a decrepitude, a ainda não comprovada corrupção e a incapacidade empreendedora do candidato faltoso. Fez seu dever de casa, e deixou de dar respostas repetitivas para não perder a oportunidade de atacar a tribuna vazia. Foi a estrela da noite. O único capaz de segurar um debate entediante e administrado com insegurança. O único capaz de conduzir um espetáculo de improviso.

Ponto alto:
A relação que fez entre o alinhamento de Valadares Filho com a presidente e a não aprovação de duas emendas milionárias citadas pelo próprio deputado federal – prova de que ser aliado não garante recursos. Tática de raposa. Valadares jamais voltou ao assunto.

Ponto baixo:
Suas ideias para a classe das ‘mulheres trabalhadoras’ de Vera Lúcia. Enquanto falava, seu cérebro parecia empenhado em algo indiscutivelmente mais importante, como a localização da chave do carro.

VALADARES FILHO
Contagiante como um pepino. É a estratégia correta para quem não quer mudar o andamento das coisas – que, pela maré das desconfiáveis pesquisas, estão boas para sua candidatura.

Ponto alto:
Não existiu. Foi polido e correto durante toda sua participação e distribuiu discursos de plástico. Permaneceu agarrado a uma mediana que não interessa à televisão. Foi tímido nos ataques e se ateve a rascunhos retóricos de propostas, emulando na tribuna seu chatíssimo programa eleitoral. Pode ter transparecido uma imagem serena e equilibrada, o que não alterará seus números.

Ponto baixo:
Exagerou na cordialidade e quase entregou ao maior combatente de cargos comissionados da paróquia, Reynaldo Nunes, um cargo comissionado.

VERA LÚCIA
Contundente em 30% de seu tempo, regida por uma suposta pedra de brita perdida em sua boca pelos outros 70.

Ponto alto:

Vários. Como frequentadora de boas boutiques de esquerda, Vera Lúcia sabe conduzir o discurso hostil dos eternamente derrotados. Ridicularizou os estacionamentos de Valadares Filho. Apontou a natureza caduca do Pró-Mulher de Maria do Carmo. Teve tempo, até, de demonizar o coitado Pré-Caju. Previsível, mas ativa. Movimentou a discussão.

Ponto baixo:
“Descanso da carne”. Não achei isso nos Dez Mandamentos. Nem em Bakhunin.

REYNALDO NUNES
Postura de azarão, discurso de azarão, inexpressividade de azarão. Foi um rapaz educado, com algumas propostinhas no bolso e nenhuma intenção de magoar ninguém.

Ponto alto:
Sua lembrança de que a administração pública deve ser impessoal foi rápida e sofisticada diante da média de discurso que apresentou. Obrigou Almeida Lima a ser sincero na réplica.

Ponto baixo:
Sua coesão discursiva de quem foi empurrado aos trancos pra falar na frente da sala. Não conseguia emendar uma frase na outra. No fim, teve de apelar para um discurso digno de propagandas institucionais do TSE.

JOÃO ALVES
Desempenho meio sumido.

Ponto alto:
Transparência.

Ponto baixo:

Um quê de invisibilidade nas respostas.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

VIVA JOÃO, O ABRÃAO – OU UM PASSEIO DE VLT PELA CANDIDATAGEM

Pela mercê da Ponte

João Alves Filho é um experimento genético com os DNAs do patriarca Abrãao e de Odorico Paraguaçu. Seu projeto político, como o de Odorico, é ruim. Suas referências, como Jaime Lerner – o Oscar Niemeyer de 2042 – , são ruins. Seu léxico, como o de Odorico, é ruim. Sua improbidade é ruim. Seu complexo de Terra Prometida, que afetou Abrãao, é insípido. Seu trânsito em Brasília, como seria o de Abrãao, é ruim. Sua maneira de dizer que vai construir maternidades em Putaquiparilópolis, como Odorico, é ruim. Sua dentição em imagem digital é ruim. Sua provável minoria na Câmara será um desastre gerencial. Sua noção de gestão, eficiente nos anos 70 e 80, não serve mais. Por tudo isso, João Alves é o prefeito ideal para Atrasaju. Digo, Aracaju.

O governo de Edvaldo Nogueira foi constantemente execrado porque o aparelho de comunicação dessa “esquerda”, a constrangida – e corrompida, como diriam os “comedores de burgueses”, no mal e no bom sentido – , é estéril. Ela simplesmente não sabe o que fazer com o novo repertório de escolhas políticas, de conchavos, de promessas feitas e derrubadas, de obscenidades. Limita-se a ser cinematográfica e pasteurizada. O objetivo da atual comunicação não é ser institucional e mediocrizada, como pede a média e o desinteresse da população. É receber um e-mail elogioso de João Santana.

Expressivo como um jerimum, Edvaldo não nasceu para a mídia. Foi um medroso incorrigível, que abusou do expediente de ser irreverente para cobrir os terríveis buracos de sua insegurança pessoal como líder. Abaixo dele, as coisas funcionaram aqui ou ali e deixaram de funcionar aqui ou ali como em qualquer governo. Atrasaju não quer mais isso. Atrasaju não precisa mais disso. Atrasaju precisa de alguém que sabe se portar como líder político. Atrasaju precisa de alguém que nasceu para a mídia, como Odorico Paraguaçu. Atrasaju precisa de um patriarca com o bolso cheio de promessas, como Abrãao. 


"Que será que a Carminha fez na novela hoje..."

Diante de tudo isso, que se destaque que Valadares Filho não é o sujeito certo para a capital sergipana. Primeiro porque seu governo seria pouco diferente do de Edvaldo. Sua inocuidade como articulador seria um chamariz de críticas e avaliações populares muito maior do que os percalços administrativos. O eleitorado de Atrasaju é midiático. Mas não se pode dizer que a atuação parlamentar do deputado federal foi apagada. Entre proposições interessantes, indispensáveis, convenientes e outras simplesmente pomposas, ele tentou instituir o Dia dos Cantos Populares do Brasil. Desde que soube disso, não sei o que fazer sem um Dia dos Cantos Populares do Brasil. Sugiro que seja no dia 7 de outubro, com dedicadas e barulhentas comemorações em escolinhas públicas.  

Outra proposta de sua autoria é a implantação de um Fundo Nacional do Desporto Não Profissional, uma ideia populista e caduca desde a sigla – Funesporte. O projeto resume-se em tirar o esporte da feiura obscena da diletância, substituindo os campinhos de lama da periferia por grama sintética e estagiários de arbitragem à disposição. Mas o Brasil precisa da várzea. Atrasaju precisa da várzea. É da lama que surgem nossas lendas, telúricas, puras, intocadas. É na lama, também, que outros têm a oportunidade de repensar a vida e a carreira, como Almeida Lima. Não tirem a lama de Aracaju. Não tirem a lama de Almeida Lima.

Atrasaju quer sair do vermelho sem resvalar no amarelo. Primeiro porque o vermelho lembra incompetência comunicacional. Segundo porque o amarelo vende um novo ventríloquo da renovação e assinala o fim da várzea. A capital também não quer saber de programas eleitorais gravados no puxadinho do sindicato e com padrão Al Qaeda de edição. Quer infográficos caros e uma cara conhecida na televisão. Um totem de voz paternal e discurso caricato. Um Odorico Paraguaçu da Terra Prometida. Uma salva de mil navalhas para o nosso novo líder. Digo, nosso líder.