quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A PISADINHA DO PISO

 "Agora jornalistas locais, off-lines e onlines, estão propondo sair às ruas em manifestação por aumento salarial. Não conseguirão sequer honrosas porretadas da polícia. Em manifestações de rua, a polícia só mira em quem ganha o suficiente pra conseguir pagar fiança." 


Sergipe é um buraco. Mal tem imprensa. Mal tem literatura. Mal tem televisão. Dizem que há alguns poetas. Devem ser os do Mercado Central. Dizem que há alguns cronistas. Nem quero ver a lista. Dizem que há alguns cineastas. Devem ter vindo da Bahia.

Os analfabetos, quando não estão fazendo segurança em shoppings, fazem rebeliões em presídios de segurança mínima. Os alfabetizados off-line, aqueles que não sabem usar internet, usam as três letras que conhecem para reservar ingressos para shows de Asa de Águia e Parangolé. Os alfabetizados online, aqueles que sabem usar internet, ou estão alisando os pentelhos de algum político ou citando grandes pensadores como Kennedy Alencar e Paulo César Pereio. Agora jornalistas locais, off-lines e onlines, estão propondo sair às ruas em manifestação por aumento salarial. Não conseguirão sequer honrosas porretadas da polícia. Em manifestações de rua, a polícia só mira em quem ganha o suficiente pra conseguir pagar fiança.

Não há segredo na arte de pedir um aumentozinho. Pedir um aumentozinho é mostrar serviço com uma mão e estender a outra. O problema é mostrar serviço em um mercado jornalístico tão inóspito quanto o sergipano. Ninguém lê jornal em Sergipe. Como ninguém lê, não há feedback. Como não há feedback, não há melhora. Como não há melhora, o sistema de produção se perpetua caduco, com seus brutais atentados à lógica, à língua portuguesa, à razoabilidade, à análise. Mas querer tudo isso em um jornal sergipano é pedir demais. Por que? Porque Sergipe é um buraco. Mal tem imprensa. Mal tem literatura. Mal tem televisão.

Não ler jornal em Sergipe é algo apontado pela classe falante local como um fenômeno de ignorância em massa. Não é não. Não ler jornal em Sergipe é um encorajador fenômeno de conscientização em massa. A população sergipana já deve ter entendido tudo. Se a teoria da bala mágica preconiza que há um projétil inexorável de conteúdo em direção à audiência, o sergipano é o Neo que desvia dele. Se a teoria Agenda Setting preconiza que os jornais definem o que será debatido, o sergipano, este subversivo, se recusa a debater o que quer que seja. O sergipano descobriu que jornal serve pra várias coisas. Menos pra ler.

O fracasso retumbante do jornalismo sergipano não é uma demonstração de nossa anemia intelectual. É o contrário. Mostra que o público sergipano ainda tem jeito. Que sabe otimizar seu tempo. Ao invés de atrair catarata com letrinhas miúdas e demoradas sobre joguinhos de poder e exibicionismo, ele espera ansioso pelo Proinvest.

De acordo com o Departamento de Alisamento de Pentelho do Governo (DAP), o Proinvest é um programa federal que trará mais de R$ 700 milhões em empréstimos para Sergipe. Os jornalistas sergipanos prometem ir às ruas para exigir cerca de R$1,2 mil. Muito melhor do que um maio de 68 em frente à Huteba, portanto, é ficar por perto quando o Proinvest chegar. Ele não vai tirar Sergipe do buraco. Mas pode evitar a vergonhosa passeata de uma gente que, sem serviço pra mostrar, não tem como estender a mão.

Um comentário:

  1. Gozei ao ler esse raro texto jornalístico - o qual, certamente, não será compreendido por 88,57% da iletrada classe da imprensa sergipana.

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