quarta-feira, 31 de outubro de 2012

TREATS E MAIS TREATS

"O Dia do Saci foi instituído em 2005. (...) O texto do projeto de lei dizia que o objetivo da iniciativa era promover a “valorização de nossas tradições e manifestações folclóricas originais”. Estranho. Se o Brasil quisesse valorizar suas tradições originais, deveria instituir um Dia do Suborno, um Dia do Feriado ou um Dia do Tô Indo Mais Cedo Hoje. Se quisesse valorizar suas manifestações folclóricas originais, deveria, no máximo, instituir um Dia da Utilidade Pública do Secretário-Adjunto".

Ele apoia cotas para figuras folclóricas pretas

Angélica Guimarães. Ana Lúcia. Maria Mendonça. Conceição Vieira. Com a benção dessas teteias, feliz Dia das Bruxas para todos. Happy Halloween for all of you. A great all Hallows' eve, folks. Alguém com dreadlocks e camisa do MST jogou um tangerina. Parece que também é Dia do Saci. 

O Halloween é americano. Por lá, o sistema é simples, lógico, recompensador. Trick-or-treat. O Dia do Saci é brasileiro. Logo, o sistema só pode ser cambaleante, ilógico, obsceno. Você recebe o treat primeiro. E tem que dar um trick antes de um novo treat.

O Dia do Saci foi instituído em 2005. O Projeto de Lei que o definiu foi elaborado pela então deputada federal Angela Guadagnin, do PT. Ela se baseou em uma ideia brilhante tida pelo deputado federal e atual ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, em 2003. O texto do projeto dizia que o objetivo da iniciativa era promover a “valorização de nossas tradições e manifestações folclóricas originais”. Estranho.

Se o Brasil quisesse valorizar suas tradições originais, deveria instituir um Dia do Suborno, um Dia do Feriado ou um Dia do Tô Indo Mais Cedo Hoje. Se quisesse valorizar suas manifestações folclóricas originais, deveria, no máximo, instituir um Dia da Utilidade Pública do Secretário-Adjunto. O saci, por outro lado, tem muito pouco de original e menos ainda de popular. É um sincretismo doido – gorro de europeu, cachimbo africano, temperamento indígena – com duas origens prováveis: uma identificada entre índios paraguaios e outra nos levantamentos de estudiosos de obscurantismos indígenas, muito provavelmente dedicados a erigir, no Brasil, o nacionalismo imbecil que pavimentou o caminho rumo às duas grandes guerras.  


O Projeto de Lei também definia o Dia do Saci como uma alternativa ao Halloween, uma festa que “como tantas outras celebrações da cultura norte-americana de forte apelo comercial”,  “tem atraído cada vez maior número de jovens e crianças”. Ou seja: o Halloween seria uma ameaça à soberania nacional. Com seu apelo comercial e sucesso entre jovens e crianças, ele atentaria contra a sacrossanta cultura originária tupiniquim. Isso mostra que o Brasil, além de erradicar a miséria e o analfabetismo, também deveria se dedicar à erradicação de estrangeirismos. 

Este, por sinal, é um movimento antigo no país. O movimento negro no Brasil é uma negação do estrangeirismo personificado pelo movimento negro americano. O movimento gay no Brasil é uma negação do estrangeirismo representado pelo movimento gay americano. O movimento comunista universitário é uma negação do cubanismo da guerrilha, do eslavismo do comunismo marxista e do italianismo gramsciano. Há dois estrangeirismos, entretanto, que ainda insistem em permanecer no Brasil para aborrecimento dos engajados neo-integralistas: a americanófila liberdade de imprensa e a francófila divisão de poderes. Mas com um pouco de sacis, eles conseguirão exterminá-los. 

O Projeto de Lei do Dia do Saci dizia ainda que a comemoração da data irá “fortalecer o processo de consolidação da identidade nacional bem como a autoestima do povo brasileiro”. Está corretíssimo. A autoestima do povo brasileiro não tem nada a ver com o bom andamento da democracia ou com a aplicação de uma penca de valores civilizatórios. A autoestima do povo brasileiro depende do apego nacional ao doentio mito da superioridade moral aborígene, ao nacionalismo fraudulento e ao folclore imbecil.

Mesmo tentando pelo menos fazer parte do Brasil, Sergipe segue o país  sem grande esforço
nesse aspecto.  Desesperado para se segurar em algum símbolo que justifique sua autenticidade – que evidentemente, não existe –, o estado é capaz até de financiar o folclore para garantir que ele exista. São as caceteiras de sei lá o quê? Tome dinheiro do governo. São os caboclinhos de sei lá o quê? Tome dinheiro do governo. São as rainhas de reisado de sei lá onde? Tome dinheiro do governo. Existam, por favor. Sem vocês, não temos a autenticidade acadêmica que justifica o excelso discurso de “minha rua é a mais bonita”.

Comemorar o Halloween é agir de modo contrário a tudo isso. Porque comemorar o Halloween é negar o saci. Negar o saci é negar o artificialismo imbecilizante do ultranacionalismo brasileiro. Negar a imbecilidade brasileira é negar Aldo Rebelo e Angela Guadagnin. Que deveriam, inclusive, agradecer por termos uma geração inteira educada pelo civilizado Halloween americano. Se fôssemos todos educados pelo saci, aprontaríamos com eles primeiro. E ainda esperaríamos, serelepes, um docinho.

Um comentário:

  1. Nesse dia, lembro que pipocaram discursos hipócritas pelas redes sociais. As mesmas pessoas que criticavam o Halloween, bestamente são as mesmas que calçam nike, comem seu lanchinho no Mc Donalds, pede para o amigo que vai ao exterior o seu Ipad, que pagam a prestação do seu Iphone...

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